Novos resultados do AKARI, um topógrafo celeste

2007-04-16

Em cima: imagem da região à volta do berçário de estrelas IC4954/4955 obtida pelo AKARI, resultando da composição de observações a 9 e 19 µm. O berçário é a região brilhante; as estrelas brancas são estrelas que emitem no infravermelho. Aqui vemos o ciclo da formação de estrelas em três gerações, em escalas espaciais de um a cem anos-luz, no infravermelho. Ao centro: esta imagem mostra o enxame globular NGC104 (também conhecido por 47 Tuc) no qual se descobriram evidências de perda de massa intensa por estrelas gigantes vermelhas jovens. Em baixo: esta imagem representa a primeira observação no infravermelho de um remanescente de supernova na Pequena Nuvem de Magalhães. Crédito: JAXA.
Lançada em 2006, a AKARI é uma missão da Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa (JAXA) com participação da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
. Esta missão de levantamento do céu, a mais recente, já proporcionou novas imagens fabulosas e forneceu dados acerca de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
em diferentes fases da sua evolução e sobre matéria interestelar que alberga buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
, tudo isto no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
. Vislumbres de regiões com formação estelar intensa, panoramas de remanescentes de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
nunca vistos em infravermelho, galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
distantes e núcleos galácticos activos com buracos negros monstruosos rodeados de nuvens de gás são apenas alguns do resultados apresentados há 2 semanas no encontro anual da Sociedade Astronómica Nacional do Japão.

Este satélite apresenta uma clara vantagem em relação a outros: a sua visão no infravermelho permite o estudo da formação e evolução das estrelas, e mesmo da evolução das galáxias. A matéria ejectada para o espaço interestelar pelas estrelas velhas é aquecida pela radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de estrelas jovens e pelas colisões com a matéria já presente no meio interestelar
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
, e assim essa energia é reemitida em comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
do infravermelho. Além disso, as estrelas jovens nascem em regiões muito densas, e consequentemente são ocultadas pelas nebulosas
nebulosa
Uma nebulosa é uma nuvem de gás e poeira interestelares.
de gás e poeira que as envolvem, tornando as observações em comprimentos de onda do visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
difícil, senão mesmo impossível. Contudo, a luz absorvida pelas nebulosas é posteriormente reemitida no infravermelho, possibilitando a detecção. O mesmo acontece com as galáxias, que se pensa estarem encobertas num véu nublado durante os seus anos de infância. Por isso, as observações no infravermelho são cruciais para o estudo destes objectos de outra forma obnubilados por nevoeiros cósmicos.

Do berço à cripta

O primeiro conjunto de dados da AKARI concentra-se na evolução da matéria interestelar nas galáxias, incluindo o ciclo de formação estelar, remanescentes de supernova – os resquícios de estrelas de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada que acabaram a vida numa explosão catastrófica – e a perda de massa de estrelas gigantes vermelhas
estrela gigante vermelha
As estrelas gigantes vermelhas são estrelas gigantes com temperaturas à superfície entre 2500 e 3500°C, do tipo espectral M ou K. As estrelas gigantes são um estado evoluído de estrelas anãs, como o Sol - as estrelas anãs, ao terminarem o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo, arrefecem e expandem-se, evoluindo para estrelas gigantes. Um dos seguintes processos, ou os dois, ocorre agora: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo; a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal.
.

As estrelas nascem nas regiões mais densas das nuvens de gás e poeira, e dois dos processos que podem desencadear a formação de estrelas são: as ondas de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
das explosões das supernovas e a forte pressão da radiação emitida por estrelas de massa elevada. As estrelas que nascem nessas nuvens irão evoluir e algumas chegarão a supernovas ou, pelo menos, a gigantes vermelhas, fornecendo assim os ingredientes ao meio interestelar para uma nova geração de nascimentos estelares.

O AKARI utilizou duas das suas câmaras - a IRC, que observa no infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
e médio, e o FIS, um "topógrafo" do infravermelho longínquo
infravermelho longínquo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 40 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 10 e 140 graus Kelvin.
- para observar o ciclo contínuo de formação estelar ao longo de três gerações de estrelas (ver na imagem) – desde as estrelas “avós” até às “filhas das suas filhas” na nebulosa IC4954/4955, situada a cerca de 6500 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
da Raposa.

O instrumento IRC também detectou pela primeira vez no infravermelho um remanescente de supernova (conhecido por Bo404 – 72.3) na Pequena Nuvem de Magalhães, uma pequena galáxia satélite da nossa Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. Estes dados forneceram vislumbres vitais da interacção, ainda pouco conhecida, entre o gás em expansão da supernova e o meio interestelar envolvente, e sobre o seu possível papel na formação de novas estrelas.

Também foram observadas estrelas nas fases finais da sua vida no enxame globular NGC 104 através do instrumento IRC. Pensa-se que as estrelas que habitam neste enxame, a 15 000 anos-luz de nós, formaram-se ao mesmo tempo que a própria galáxia. O nosso Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
será parecido com elas daqui a 6 mil milhões de anos. Elas já esgotaram as suas reservas de combustível (hidrogénio no seu núcleo) e transformaram-se em estrelas gigantes
estrela gigante
Uma estrela gigante é uma estrela que terminou o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo e, por isso, arrefeceu e expandiu-se. As estrelas gigantes são o estado evoluído das estrelas anãs. Terminada a fusão de hidrogénio em hélio no núcleo, pode ocorrer um dos seguintes processos, ou os dois: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo, ou a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal. Exemplo de estrelas gigantes próximas de nós: Aldebarã, Arturus e Capela.
vermelhas. Através das suas observações, o AKARI deu as primeiras provas que as estrelas gigantes vermelhas jovens perdem massa a um ritmo acelerado
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
, um fenómeno até hoje observado apenas nas estrelas gigantes vermelhas mais velhas.

Dos candidatos a buracos negros até às galáxias recém-nascidas

Graças ao seu poder de alta resolução, o AKARI também estudou a matéria que envolve um buraco negro numa galáxia distante e observou a evolução de galáxias recém-nascidas.

A região central da galáxia ultra luminosa no infravermelho “UGC 05101”, situada na constelação da Ursa Maior, a cerca de 550 milhões de anos-luz da Terra, era até hoje um completo mistério. Coberta por uma espessa nebulosa de matéria interestelar, a região do núcleo foi até hoje impenetrável.

Graças à sensibilidade do AKARI, os astrónomos conseguiram recolher dados sem precedência acerca da nebulosa de gás molecular que envolve a região, que, descobriu-se, está a 500ºC.

Estes dados reforçam a ideia que um buraco negro gigante se esconde no núcleo da galáxia, e com a sua força destrutiva aquece a matéria antes de a engolir para nunca mais emergir, matéria essa que emite radiação que aquece o gás envolvente à temperatura ideal para ser observada pelo AKARI. Assim é possível perceber a estrutura das galáxias com núcleos activos e buracos negros.

Por fim, os dados do AKARI forneceram uma visão sem precedentes da formação de galáxias ao longo da história do Universo. Ao observar num comprimento de onda de 15 micrómetros
mícron (µm)
O mícron (µm), ou micrómetro, é uma unidade de comprimento que corresponde à milésima parte do milímetro: 1µm = 10-3mm = 10-6 m.
, os astrónomos podem observar a luz infravermelha que foi emitida há cerca de 6 mil milhões de anos por galáxias jovens a sofrer formação estelar intensa.

Continuando a partir das observações iniciadas pelo Observatório Espacial de Infravermelhos (ISO
Infrared Space Observatory (ISO)
O observatório espacial de infravermelhos ISO foi uma missão da Agência Espacial Europeia (ESA) com a participação das agências espaciais do Japão (ISAS) e dos EUA (NASA). Lançado em Novembro de 1995, a sua missão científica decorreu até Maio de 1998. A sua contribuição para o nosso conhecimento do universo, em campos que vão desde o Sistema Solar até às galáxias mais distantes, foi extraordinária.
), da ESA, o AKARI detectou 280 galáxias deste tipo, realizando o levantamento panorâmico mais profundo de sempre neste comprimento de onda, confirmando a intensa formação de estrelas e galáxias nesse período primitivo da nossa história cósmica.

O AKARI está a realizar estudos parecidos em vários comprimentos de onda – um estudo que irá fornecer uma descrição definitiva da evolução galáctica em toda a história do Universo.

Fonte da notícia: http://www.esa.int/esaCP/SEM9PZS4LZE_index_0.html