Uma nova visão do Sol

2006-12-12

Em cima: mancha solar (banda CaII H, 397 nm) No meio: detalhe da granulação (banda G, 430 nm). Em baixo: erupção acima da mancha solar (banda CaII H, 397 nm). Crédito: NAOJ.
Chegaram até nós as primeiras imagens do satélite Solar HINODE (Solar-B). Lançado a 22 de Setembro deste ano pela Agência de Exploração Espacial Japonesa (NAOJ), o HINODE promete mudar a visão e aprofundar o conhecimento que temos sobre a nossa estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
. O sofisticado satélite está equipado com três modernos telescópios solares que observam em diferentes comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
do espectro: um telescópio óptico (SOT), um telescópio de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
(XRT) e um espectrómetro
espectrómetro
O espectrómetro é um instrumento cuja função é medir os comprimentos de onda de um determinado espectro de luz, permitindo identificar as espécies químicas responsáveis pelas riscas existentes nesse espectro.
de imagem no ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
extremo.

O principal objectivo científico da missão é observar como se propagam as alterações do campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
da fotoesfera através das diferentes camadas atmosféricas do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
que compõem as camadas mais altas da coroa solar
coroa solar
A coroa solar é a região mais exterior da atmosfera do Sol, imediatamente acima da cromosfera. É composta por gás pouco denso, a uma temperatura acima de um milhão de graus (1-2x106 K). Este gás estende-se por milhares de quilómetros acima da superfície solar e pode ser observado na luz visível durante os eclipses solares, ou com o auxílio de aparelhos especiais, os coronógrafos.
. O HINODE (Solar-B) aumentará drasticamente o nosso conhecimento sobre a relação entre vários processos energéticos e a estrutura dos campos magnéticos solares, cujo estudo começou a ser feito pelas anteriores missões SMM (Solar Maximum Mission) em 1980, Hinotori em 1981, Yohkoh em 1991, a TRACE
Transition Region and Coronal Explorer (TRACE)
A sonda TRACE faz parte do programa de pequenos exploradores da NASA (SMEX) e foi lançada a 1 de Abril de 1998 para estudar a região acima da fotosfera e a coroa solar. Os seus objectivos científicos podem dividir-se em três áreas: seguir a evolução de estruturas do campo magnético desde o interior do Sol até à coroa; investigar os mecanismos de aquecimento da atmosfera solar mais exterior; investigar as causas e condições em que ocorrem fulgurações solares e ejecções de massa coronal.
(Transition Region and Corona Explorer) em 1998 e a ainda activa SOHO
Solar Heliospheric Observatory (SOHO)
O SOHO é uma sonda espacial concebida para a observação e estudo do Sol. O seu obectivo é analisar a estrutura da coroa, do vento solar e ainda obter informação sobre a dinâmica interna do Sol. O SOHO insere-se num projecto internacional de cooperação entre a NASA e a ESA. A sonda foi lançada a 2 de Dezembro de 1995 e posteriormente colocada em órbita do Sol.
(Solar and Heliospheric Observatory). Os objectivos da HINODE (Solar-B) podem ser resumidos da seguinte forma:


  • Criação e destruição do campo magnético do Sol
    Os campos magnéticos permeiam o espaço e desenvolvem um papel importante na modelação do Universo em todas as escalas. Os campos estão constantemente a ser gerados por dínamos no interior das estrelas e são transportados para o espaço pelos ventos estelares. O dínamo solar encontra-se suficientemente próximo e opera num curto período de onze anos, o que permite o seu estudo directo.


  • Modulação da luminosidade
    luminosidade
    A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
    do Sol

    As observações efectuadas a partir do espaço durante a última década levaram-nos a concluir que a energia total emitida pelo Sol não é constante, mas varia de acordo com o ciclo de actividade magnética. Ao longo de um simples ciclo, a amplitude medida desta variação, embora pequena, foi apenas um factor de três a cinco abaixo do nível requerido para uma resposta climática significativa. O HINODE (Solar-B) realizará as primeiras observações com a resolução, cobertura de comprimentos de onda e escala temporal, adequadas para determinar o mecanismo interveniente na modulação magnética da luminosidade solar.


  • Produção de radiação
    radiação electromagnética
    A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
    ultravioleta e de raios-X

    O Sol é uma poderosa e forte fonte variável de ultravioletas, raios-X e partículas energéticas. Esta radiação de alta energia deve ser proveniente da aniquilação
    aniquilação de um par
    O processo de aniquilação de um par ocorre quando uma partícula e uma antipartícula colidem e resulta na transformação das suas massas em energia. A energia libertada é equivalente à soma da energia de repouso e da energia cinética da partícula e da antipartícula. A aniquilação do par electrão-positrão resulta em radiação gama (dois fotões emitidos em sentidos opostos), enquanto que a aniquilação do par protão-antiprotão resulta na formação de piões.
    de energia magnética na atmosfera
    atmosfera
    1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
    , na cromosfera
    cromosfera solar
    A cromosfera é a região da atmosfera do Sol imediatamente acima da fotosfera e abaixo da coroa solar. A densidade vai decrescendo e a temperatura vai subindo rapidamente à medida que nos afastamos da superfície do Sol. Na baixa cromosfera, mais densa (10-8 a 10-13 g/cm3), constituída por hidrogénio neutro frio (a 7500 K) e que se estende por cerca de 4000 km; e a alta cromosfera, com uma extensão de 12 000 km, menos densa (10-16 g/cm3) e formada por hidrogénio ionizado quente (106 K). É na cromosfera solar que ocorrem muitos dos fenómenos de actividade solar: as espículas, as regiões activas, as proeminências e os filamentos, e as fulgurações solares.
    e na coroa solares. Graças ao conjunto de instrumentos de alta resolução espacial e espectral que transporta, o HINODE (Solar-B) será capaz de estudar processos tais como a reconexão magnética
    reconexão magnética
    A reconexão magnética é um processo físico fundamental que ocorre em plasmas magnetizados em torno da Terra, do Sol e das outras estrelas, e ainda em reactores de fusão. Este processo modifica a topologia dos campos magnéticos através do rompimento e da reconexão das linhas de força. Ao fazê-lo, a energia magnética pode ser convertida noutros tipos de energia, como por exemplo energia cinética, calor, ou luz.
    e a dissipação de ondas, que se pensa serem responsáveis pela conversão de energia magnética em radiação ultravioleta e raios-X.


  • Erupção e expansão da atmosfera solar
    A coroa solar, a milhões de graus de temperatura, expande-se continuamente para o exterior, tornando-se um vento supersónico que sopra para lá da Terra, embatendo violentamente na magnetosfera
    magnetosfera
    Magnetosfera é a região em torno de um objecto celeste ocupada pelo seu campo magnético.
    e carregando electricamente a alta atmosfera da Terra
    atmosfera terrestre
    A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
    . Observam-se grandes erupções na coroa solar, que causam enormes distúrbios magnéticos no nosso planeta
    planeta
    Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
    . Esta missão fornecerá medições precisas dos campos magnéticos, das correntes eléctricas e campos de velocidade, revelando assim a origem das causas das erupções solares.



Para que estes objectivos sejam atingidos é necessário fazer observações contínuas e simultâneas de características solares específicas, o que se pretende alcançar através da utilização dos três instrumentos a bordo.

SOT - Telescópio Solar Óptico

Este é o mais avançado e o maior telescópio solar óptico no espaço. O SOT é composto por um telescópio de 50 cm de abertura, optimizado para medições precisas do vector do campo magnético da fotosfera e da dinâmica da da associação dos campos magnéticas à fotoesfera e cromosfera. Este telescópio obtém séries de imagens contínuas, de difracção
difracção
A difracção é o fenómeno observado quando a radiação, ao propagar-se, encontra um obstáculo opaco ou passa por uma abertura muito estreita. As ondas de radiação que passam mais próximas do bordo do obstáculo são deflectidas, de forma que: por um lado, contornam o obstáculo e aparecem na região que devia ser de sombra, tornando a fronteira entre a zona de sombra e a zona iluminada pouco definida; e por outro lado, interagem com as ondas de radiação mais próximas, resultando em aumentos e diminuições da intensidade da radiação fora da região de sombra do obstáculo - são os padrões de difracção. A difracção é uma propriedade ondulatória.
limitada nos comprimentos de onda entre os 388 e os 668 nm
nanómetro (nm)
O nanómetro (nm) é uma unidade de comprimento igual a um milionésimo do milímetro: 1nm = 10-6mm = 10-9m.
. Está equipado com um sistema de estabilização activa de imagem que permite minimizar as oscilações das imagens solares no plano focal dos sensores CCD. A sua órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
sincronizada com o Sol e o contacto com a estação terrestre de Svalbard, na Noruega, permitem a transferência de dados em quase todas as órbitas, tornando assim possível conduzir as observações 24 horas por dia, durante cerca de oito meses em cada ano.

XRT - Telescópio de Raios-X

Este telescópio possui uma resolução três vezes superior à do seu antecessor, o Yohkoh, e tem como missão observar a dissipação que ocorre ao longo do ciclo de vida dos campos magnéticos do Sol. Imagens de alta resolução de raios-X moles
mole (mol)
A mole (mol) é a unidade fundamental SI de quantidade de matéria e é equivalente à quantidade de matéria que contém tantas entidades elementares quantos os átomos que existem em 0,012 kg de carbono-12.
poderão revelar a configuração dos campos magnéticos e a sua evolução, permitindo-nos observar o processo de acréscimo, armazenamento e libertação de energia que ocorre na coroa solar durante qualquer evento de actividade do Sol.

EIS - Espectrómetro de imagem de ultravioleta extremo

Muitas das linhas de emissão do ultravioleta extremo, observadas na região de transição da atmosfera solar, a coroa, bem como nas fulgurâncias solares, estão contidas nos intervalos dos comprimentos de onda de 170 a 210 Å e de 250 a 290 Å, sendo possível aos observadores seleccionar, na área de imagem dos dois sensores CCD, um número de janelas espectrais que pode ir até 25.

Resta-nos aguardar ansiosamente pela divulgação dos resultados e das imagens que forem sendo produzidas, com a esperança firme e convicta de que estas contribuirão para melhorar e aumentar o ainda diminuto conhecimento que possuímos sobre o funcionamento da nossa estrela.

O gabinete do projecto HINODE (Solar-B) da NAOJ desempenha um papel de liderança no desenho e desenvolvimento da instrumentação, operação da missão e análise de dados em conjunto com a Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial, promovendo em simultâneo uma estreita colaboração com os parceiros Europeus e dos Estados Unidos.

Fonte da notícia: http://www.isas.jaxa.jp/e/enterp/missions/solar-b/