Explosões de supernova não são tão caóticas como se pensava

2006-11-03

Imagem do remanescente de supernova Cassiopeia A obtida pelo telescópio espacial Spitzer. Ao observar no infravermelho, o Spitzer descobriu que grande parte das camadas originais da estrela tinham sido preservadas. Crédito: NASA/JPL-Caltech/Univ. of Minn.
Utilizando o telescópio espacial de infravermelhos
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
Spitzer, da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, um grupo de astrónomos descobriu que a explosão da estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
designada por Cassiopeia A (Cas A) aconteceu de uma forma ordeira, retendo a maioria da sua composição inicial formada por camadas diferenciadas.

"No fundo, o Spitzer descobriu peças chave fundamentais que faltavam no puzzle da Cassiopeia A," disse Jessica Ennis da Universidade do Minnesota e autora principal do artigo que vai ser publicado em Novembro no Astrophysical Journal. De acordo com Lawrence Rudnick, também da Universidade do Minnesota e investigador principal da pesquisa, "encontrámos pedaços das camadas da estrela que nunca tinham sido observadas, isto demonstra-nos que a explosão da estrela não foi suficientemente caótica para misturar a matéria remanescente numa enorme e desordenada pilha de destroços."

Cassiopeia A é um exemplo do que se designa por remanescente de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. A estrela original, com uma massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
quinze a vinte vezes superior à do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, atingiu o seu fim de vida numa explosão cataclísmica designada por supernova, que ocorreu na nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
há relativamente pouco tempo. Tal como todas as estrelas de grande massa, também Cas A, quando atingiu um estado de evolução mais avançado, foi uma estrela ordeiramente constituída por várias camadas concêntricas compostas de diversos elementos químicos
elemento químico
Elemento composto por um único tipo de átomos. Os elementos químicos constituem a Tabela Periódica.
. A camada exterior era composta por elementos mais leves como hidrogénio, as camadas intermédias possuíam elementos mais pesados como o néon e o seu núcleo estava apinhado com elementos mais pesados, como o ferro.

Até agora os cientistas não detinham um conhecimento exacto do que aconteceu a Cas A quando a estrela entrou em colapso. Uma possibilidade é a de que a estrela tenha explodido de uma forma mais ou menos uniforme, expelindo as suas camadas para o vazio de forma sucessiva. Se este tivesse sido o caso, então aquelas camadas deveriam ter sido preservadas individualmente nos destroços em expansão. Observações anteriores revelaram porções de algumas daquelas camadas, mas existiam falhas misteriosas na sua constituição.

O telescópio espacial Spitzer
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
mostrou-se capaz de resolver o desafio. Aconteceu que, após a explosão da estrela Cas A, algumas partes não foram expelidas de forma tão rápida quanto outras. Imagine uma cebola, composta pelas suas sucessivas camadas, a explodir de forma que algumas dessas camadas sejam expelidas a grande velocidade enquanto outras o fazem a velocidades ligeiramente mais lentas.
"Agora conseguimos reconstruir um modelo mais preciso sobre a forma como a estrela explodiu," disse William Reach, do Centro de Ciência Spitzer, da NASA. "Parece que a maioria das camadas originais da estrela foram impelidas para o espaço sucessivamente pela sua ordem, mas a diferentes velocidades médias, dependendo do ponto onde começaram o seu deslocamento."

Como foi possível ao Spitzer descobrir as peças perdidas do puzzle? À medida que as diferentes camadas da estrela se apressaram a afastar-se do seu núcleo, elas colidiram, uma por uma, aquecendo e embatendo na onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
criada pela explosão. A matéria que atingiu a onda de choque em primeiro lugar teve mais tempo para aquecer até às temperaturas necessárias para emitir raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
e luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
. A matéria que só agora está a atingir a onda de choque é mais fria e brilha na banda do infravermelho. Consequentemente, as observações em que se detectam raios-X e luz visível identificam matéria mais quente, pertencente a camadas mais próximas do núcleo da estrela, que se deslocaram rapidamente para o exterior e não os pedaços mais frios que ficaram para trás e que faltavam nas observações prévias. Os detectores de infravermelho do Sptizer conseguiram identificar esses pedaços em falta - gases e poeiras compostos pelos elementos das camadas intermédias: néon, oxigénio e alumínio.

A estrela Cassiopeia A é o alvo ideal para estudar a anatomia da explosão de uma supernova, por ser jovem e relativamente próxima do nosso sistema solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
e porque ainda estão em curso os seus "últimos suspiros", tudo isto bem em frente e ao alcance dos olhos de diversos telescópios. Daqui a algumas centenas de anos, ou próximo disso, os restos dispersos de Cassiopeia A estarão completa e totalmente misturados entre si, apagando para sempre as importantes pistas sobre a forma como a estrela viveu e morreu.

Fonte da notícia: http://www.jpl.nasa.gov/news/news.cfm?release=2006-134