Cluster observa centro do alvo magnético

2006-07-26

Em cima: visão artística da constelação de satélites Cluster cercando uma região magnética nula. Em baixo: diagrama da estrutura espiral do campo magnético à volta de um ponto nulo, baseado nos dados do Cluster. O ponto nulo é uma região tridimensional onde os campos magnéticos se quebram e reconectam. Crédito: Dr. Xiao/Chinese Academy of Sciences (Beijing).
A constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
de satélites Cluster (ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) acertou em cheio no alvo: os quatro satélites cercaram uma região na qual o campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
da Terra se estava a reconfigurar espontaneamente.

Esta foi a primeira vez que uma observação deste tipo foi efectuada e isso dá aos astrónomos uma percepção única sobre o processo físico responsável pelas explosões mais violentas do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
: a reconexão magnética
reconexão magnética
A reconexão magnética é um processo físico fundamental que ocorre em plasmas magnetizados em torno da Terra, do Sol e das outras estrelas, e ainda em reactores de fusão. Este processo modifica a topologia dos campos magnéticos através do rompimento e da reconexão das linhas de força. Ao fazê-lo, a energia magnética pode ser convertida noutros tipos de energia, como por exemplo energia cinética, calor, ou luz.
.

Ao observar o padrão estático da limalha de ferro em torno de um íman em forma de barra, é difícil imaginar o quão mutáveis e violentos podem ser os campos magnéticos noutras situações.

No espaço, regiões distintas de magnetismo comportam-se um pouco como grandes bolhas magnéticas, cada uma contendo gás ionizado
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
(plasma
plasma
O plasma é um gás completamente ionizado, em que a temperatura é demasiado elevada para que os átomos existam como tal, sendo composto por electrões e núcleos atómicos livres. É chamado o quarto estado da matéria, para além do sólido, líquido e gasoso.
). Quando as bolhas se encontram e são empurradas umas contra as outras, os seus campos magnéticos podem quebrar-se e reconectar-se, dando origem a uma configuração magnética mais estável. Esta reconexão de campos magnéticos gera jactos de partículas e aquece o plasma.

Exactamente no centro de cada evento de reconexão, tem que existir uma zona tridimensional na qual os campos magnéticos se quebram e se reconectam. Os cientistas chamam a esta região um ponto nulo mas, até agora, nunca tinham conseguido obter uma imagem tridimensional, já que isso requer pelo menos quatro pontos de medição simultâneos.

A 15 de Setembro de 2001, os quatro satélites Cluster estavam a voar numa disposição tetraédrica com distâncias de mais de 1 000 quilómetros entre si. Enquanto atravessavam a cauda magnética da Terra, que se estende para trás do lado nocturno do nosso planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
, elas rodearam um dos presumíveis pontos nulos.

Os dados enviados pela Cluster foram analisados exaustivamente por uma equipa internacional de cientistas dirigida pelo Dr. C. Xiao da Academia das Ciências da China, pelo Prof. Pu da Universidade de Pequim e pelo Prof. Wang da Universidade de Tecnologia de Dalian. Xiao e os seus colegas usaram estes dados para deduzir a estrutura tridimensional e o tamanho do ponto nulo, revelando uma surpresa.

O ponto nulo ocorre numa estrutura de vórtice inesperada com cerca de 500 quilómetros de diâmetro. “Este tamanho característico nunca antes tinha sido anunciado nem em observações, nem em teoria, nem em simulações,” disseram Xiau, Pu e Wang.

Este resultado é um grande feito para a missão Cluster, já que dá aos cientistas a primeira visão tridimensional do próprio centro do processo de reconexão.

Pensa-se que a reconexão magnética é um processo fundamental que leva a vários fenómenos violentos por todo o Universo, tais como os jactos de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
vistos a escapar de buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
distantes e as erupções solares do nosso próprio Sistema Solar que podem libertar mais energia que mil milhões de bombas atómicas.

A uma escala mais reduzida, a reconexão na fronteira diurna do campo magnético da Terra permite a passagem de gás solar, despoletando um tipo específico de aurora
aurora
A aurora é a luz emitida pelos iões da atmosfera terrestre, principalmente nos pólos geomagnéticos da Terra, estimulada pelo bombardeamento de partículas de alta energia ejectadas pelo Sol. As auroras aparecem dois dias depois das fulgurações solares, proporcionando um espectáculo de rara beleza, e atingem o seu pico cerca de dois anos depois do máximo de manchas solares. As auroras boreais e austrais são observáveis a latitudes elevadas no hemisfério Norte e hemisfério Sul, respectivamente.
chamada “aurora de protões
protão
Partícula que, juntamente com o neutrão, constitui os núcleos atómicos. Todos os átomos têm pelo menos um protão e é o número de protões que determina o elemento químico do átomo. Os protões têm carga eléctrica positiva. Os protões são formados por três quarks (dois u e um d), são bariões (e hadrões), e o seu spin é um número semi-inteiro.
”.

Compreender o que induz a reconexão magnética também vai ajudar os cientistas a tentar aproveitar a fusão nuclear
fusão nuclear
A fusão nuclear é o processo pelo qual as reacções nucleares entre núcleos atómicos leves formam núcleos atómicos mais pesados (até ao elemento ferro). No caso em que os núcleos pertencem a elementos com número atómico pequeno, este processo liberta grandes quantidades de energia. A energia libertada corresponde a uma perda de massa, de acordo com a famosa equação E=mc2 de Einstein. As estrelas geram a sua energia através da fusão nuclear.
para produzir energia. Nos reactores de fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
tokamak, as reconfigurações magnéticas espontâneas fazem com que o processo deixe de ser controlável. Ao compreender a forma como os campos magnéticos se reconectam, os cientistas que estudam a fusão esperam ser capazes de projectar reactores melhores que impeçam que isto aconteça.

Tendo reconhecido um ponto nulo a três dimensões, a equipa espera agora atingir alvos futuros para comparar pontos nulos e ver se a sua primeira detecção possuía uma configuração rara ou comum.

Fonte da notícia: http://www.esa.int/esaCP/SEMAYXAUQPE_index_0.html