Explosão nuclear numa estrela morta

2006-07-21

Primeira imagem em rádio da onda de choque em RS Ophiuci, obtida com o VLBA, 14 dias após a explosão. As cores relacionam-se com o brilho em rádio: azul significa menor intensidade e vermelho maior intensidade. O sistema binário encontra-se no centro, mas não é visível nesta imagem. Crédito: NRAO/AUI/NSF.
A 12 de Fevereiro de 2006, RS Ophiuci - uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
pouco brilhante (magnitude visual
magnitude aparente visual
Magnitude aparente visual é a magnitude aparente de um astro na banda do visível, nos comprimentos de onda compreendidos entre os 500 e 600 nanómetros. A olho nu, podemos observar estrelas até à magnitude aparente visual 6.
12,5), a 5000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de nós - aumentou subitamente de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
, ficando visível a olho nu (magnitude visual 5). Esta é apenas a mais recente duma série de explosões observadas nesta estrela nos últimos cem anos. Mas é a primeira explosão desde 1985 e, por isso, a primeira a ser observada com os telescópios e instrumentação de ponta que existem actualmente.

RS Ophiuci, uma nova recorrente, é um sistema binário constituído por uma estrela anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
que rouba gás da sua companheira, uma estrela gigante vermelha
estrela gigante vermelha
As estrelas gigantes vermelhas são estrelas gigantes com temperaturas à superfície entre 2500 e 3500°C, do tipo espectral M ou K. As estrelas gigantes são um estado evoluído de estrelas anãs, como o Sol - as estrelas anãs, ao terminarem o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo, arrefecem e expandem-se, evoluindo para estrelas gigantes. Um dos seguintes processos, ou os dois, ocorre agora: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo; a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal.
. Quando a quantidade de gás na anã branca atinge um determinado limite, ocorre uma poderosa explosão termonuclear que lança para o espaço, a alta velocidade, o gás das camadas mais externas. Como a anã branca orbita dentro da extensa atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
da gigante vermelha, a matéria ejectada pela explosão choca com o gás da atmosfera da companheira e cria uma onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
. Por um lado, a onda de choque aquece o gás de forma a este emitir raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
de alta energia. Por outro lado, acelera os electrões
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
quase à velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
, de forma que estes emitem ondas de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
à medida que se deslocam no campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
.

Utilizando satélites e telescópios em Terra, duas equipas independentes estudaram RS Ophiuci a diferentes comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
. Os resultados foram publicados na revista científica Nature, em dois artigos: um, baseado nas observações em raios-X, pela equipa liderada por J. Sokoloski (Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica, EUA); e o outro, pela equipa de T. O'Brien (Observatório de Jodrell Bank
Jodrell Bank Observatory
O observatório de Jodrell Bank pertence ao Departamento de Física e Astronomia da Universidade de Manchester, no Reino Unido. Está localizado nas planícies do Cheshire, em Macclesfield, perto da cidade de Manchester. Trata-se de um observatório dedicado à radioastronomia, cuja história começa em 1945 quando Sir Bernard Lovell foi para a Universidade de Manchester para observar raios cósmicos. O principal telescópio deste observatório, o telescópio Lovell, é o terceiro maior radiotelescópio manobrável do mundo, com um diâmetro de 74 m.
, Reino Unido), sobre as observações em rádio.

As observações mostraram que a explosão foi mais complexa do que se pensava. Os modelos teóricos mais usados assumem uma explosão esférica, com matéria ejectada em todas as direcções igualmente. Mas as observações de RS Ophiuci mostraram a existência de dois jactos de matéria opostos e possivelmente uma estrutura em anel.

Para obter detalhes da onda de choque em expansão, a equipa de O'Brien coordenou a utilização conjunta de vários radiotelescópios em rede: o VLBI
Very Long Baseline Interferometry (VLBI)
O VLBI é uma técnica de observação que consiste em utilizar vários radiotelescópios em interferometria de grande linha de base de forma a obter uma imagem com uma resolução equivalente a um telescópio de diâmetro igual à maior separação entre as antenas individuais. Redes de VLBI incluem: a European VLBI Network (EVN), com radiotelescópios espalhados pela Europa, Ásia, África do Sul e Porto Rico; a Global-VLBI, que junta o EVN com o VLBA; o Space-VLBI, que inclui um radiotelescópio espacial de 8 m, permitindo linhas de base até três vezes as permitidas pelas redes VLBI terrestres.
Europeu (que inclui radiotelescópios europeus, na China e na África do Sul), o MERLIN (rede de 7 radiotelescópios no Reino Unido), VLBA
Very Large Baseline Array (VLBA)
O VLBA é um sistema de dez radiotelescópios, espalhados pelos EUA continental e os seus territórios nas Ilhas Virgens e no Havai. Os radiotelescópios podem operar simultaneamente e são controlados remotamente em Socorro (Novo México). Cada estação do VLBA consiste numa antena com um prato de 25 m e um edifício de controlo. O VLBA é operado pela NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(rede norte-americana de 10 radiotelescópios, que se distribuem desde o Havai até às Ilhas Virgens, atravessando os EUA continental) e o VLA
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(rede norte-americana de 27 radiotelescópios no Novo México). As imagens de rádio representam a primeira vez que se viu o nascimento de um jacto num sistema com uma anã branca.

Com o tempo, a anã branca recomeçará a roubar gás à sua companheira, acumulando matéria até ao ponto, talvez daqui a 20 anos, em que volta a explodir de novo. Uma questão importante é se, em cada explosão, a anã branca perde toda a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
que ganhou da gigante vermelha, ou se fica sempre algum material e a anã branca vai aumentando a sua massa com o tempo.

Os dados do Rossi X-Ray Timing Explorer
Rossi X-ray Timing Explorer (RXTE)
O observatório espacial de raios-X RXTE, da NASA, é uma missão que teve início em 1995 e ainda está a decorrer, e tem como objectivo observar, com extrema rapidez, buracos negros, estrelas de neutrões, pulsares de raios-X e fulgurações de raios-X. Uma grande vantagem do RXTE é a sua capacidade de observar alterações que ocorrem no brilho de fontes de raios-X, tanto num milésimo de segundo, como ao longo de anos.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) permitiram aos cientistas calcularem a massa da anã branca: próximo de 1,4 vezes a massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. Esta é quase a massa limite a que uma anã branca pode chegar antes de colapsar. O mais provável é o sistema RS Ophiuci um dia acabar com uma explosão de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
(Tipo Ia).

Fontes da notícia: http://cfa-www.harvard.edu/press/pr0620.html e
http://www.mpg.de/english/illustrationsDocumentation/documentation/pressReleases/2006/pressRelease20060719/