Como cozinhar uma galáxia

2006-06-26

A Galáxia do Girino, em primeiro plano, está muito mais próxima da Terra do que as galáxias poeirentas e distantes chamadas galáxias ultraluminosas no infravermelho (pontos ténues a vermelho). As galáxias ultraluminosas no infravermelho formam-se a partir de aglomerados de matéria escura que têm aproximadamente a massa de 10 biliões de sóis. Crédito: NASA/JPL–Caltech.
Comece com uma grande quantidade de matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
, misture gás e mexa. Deixe a mistura repousar um bocado e uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
deverá surgir a partir desta massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
.

Esta receita simples para cozinhar galáxias não pode ser feita em casa, mas reflecte aquilo que os astrónomos estão a aprender acerca de formação de galáxias. Da mesma maneira que se coze o pão com fermento, é necessária uma substância misteriosa do Universo, chamada matéria escura, para fazer crescer uma galáxia.

Recentemente, um novo estudo baseado em observações realizadas pelo Telescópio Espacial Spitzer
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) veio clarificar aquilo que se sabe acerca desse ingrediente essencial das galáxias. Os resultados foram publicados num artigo no Astrophysical Journal Letters, cujo primeiro autor é D. Farrah, da Universidade de Cornell (Nova Iorque). O artigo sugere que não só é necessário matéria escura, mas que também uma quantidade mínima dessa matéria tem que estar presente antes de uma galáxia se formar. Uma quantidade menor implicaria a ausência de galáxia – o correspondente cósmico de um pão que não fermentou.

O conceito de matéria escura surgiu nos anos 70 quando a astrónoma Vera Rubin verificou que a velocidade orbital das estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
em algumas galáxias não obedecia ao que seria de esperar tendo em conta a distribuição da massa nestas galáxias. Uma das hipóteses avançadas, e a mais aceite actualmente, é que existe uma massa invisível que causa a gravidade complementar necessária para se observar esse efeito.

Como o seu nome sugere, a matéria escura não emite luz, e por isso nenhum telescópio convencional consegue observá-la directamente. A chamada matéria comum, que inclui plantas e pessoas e todo o tipo de objectos cósmicos, emite radiação electromagnética
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
, ou seja, luz. No Universo existe cerca de cinco vezes mais matéria escura do que matéria comum.

Farrah e os seus colegas usaram dados do levantamento do céu no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
que o telescópio Spitzer está a realizar (o Spitzer Wide-area Infrared Extragalactic survey) para estudar centenas de objectos distantes, chamados galáxias ultraluminosas no infravermelho, situadas a milhares de milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância. Estas galáxias jovens são incrivelmente brilhantes e repletas de actividade de formação estelar.

Inicialmente, os investigadores quiseram entender melhor como é que as galáxias jovens e a matéria escura evoluem e se agregam para formar os enxames gigantes de galáxias maduras que dominam o Universo actual. “Poderá pensar-se que as galáxias estão simplesmente distribuídas aleatoriamente pelo céu, como quando se atira uma mão cheia de areia para o chão,” disse Farrah. “Mas não estão, e a razão para isso acontecer poderá ser o facto dos aglomerados de matéria escura à volta das jovens galáxias estarem a atrair-se mutuamente como cola.”

Determinando o quão compactamente as galáxias ultraluminosas no infravermelho começaram a agrupar-se, Farrah e os seus colegas foram capazes de medir indirectamente a quantidade de “cola” de matéria escura presente. Quanto mais compacto o agrupamento, maior a quantidade de matéria escura. Eles fizeram estes cálculos para dois conjuntos de galáxias a diferentes distâncias da Terra.

Foi aí que repararam em algo estranho. Em todas as galáxias que estudaram, independentemente da sua distância, parecia haver agregados de matéria escura circundantes do mesmo tamanho, com o equivalente a 10 biliões de massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. Visto os astrónomos não encontrarem quaisquer galáxias associadas a menos de 10 biliões de massas solares de matéria escura, eles acreditam que esta deverá ser a quantidade mínima necessária para se formar uma galáxia ultraluminosa no infravermelho.

Estes agregados de matéria escura poderão ser como sementes que dão origem a estas galáxias distantes. Os astrónomos sabem que galáxias semelhantes a estas, mas próximas de nós, se formam de uma maneira completamente diferente, e por isso, o que se está a aprender neste estudo aplica-se a outra época do nosso Universo, que ocorreu há muito tempo.

Se outros tipos de galáxias nascem ou não através de processos semelhantes é um debate actual entre os cientistas. Estudos anteriores em galáxias muito energéticas chamadas quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
sugeriram que esses objectos também requerem uma massa mínima de matéria escura para crescerem. Só que nesse caso, a “pasta” inicial das galáxias não é tão densa, com cerca de quatro a cinco biliões de massas solares.

Parece que os astrónomos terão que esperar mais um pouco para que o Universo revele as suas receitas de família mais bem guardadas.

Fonte da notícia: http://www.nasa.gov/vision/universe/starsgalaxies/spitzerf-20060615.html