Composição química dos planetas extra-solares correlaciona-se com a metalicidade das suas estrelas mãe

2006-06-02

Correlação entre a quantidade de elementos pesados nos exoplanetas com trânsito e a metalicidade das respectivas estrelas mãe. Crédito: A&A.
Até agora, dos 188 planetas extra-solares
planeta extra-solar
Um planeta extra-solar é um planeta que não orbita o nosso Sol.
descobertos, 10 são conhecidos como "planetas com trânsito", ou seja, são planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
que, do ponto de vista da Terra, passam à frente da sua estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
ao completarem cada órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
. Os meios tecnológicos actuais ainda são limitados, de forma que os únicos planetas extra-solares com trânsito
trânsito
Designa-se por trânsito a passagem de um objecto astronómico à frente do disco de um objecto maior e mais longínquo. Por exemplo, o trânsito de Vénus diante do Sol.
que se detectaram são planetas gigantes gasosos
planeta joviano
Designam-se por planetas jovianos aqueles que se assemelham a Júpiter, ou seja, planetas gigantes com superfícies gasosas. No Sistema Solar, são planetas jovianos Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno.
, conhecidos por Júpiteres quentes (por estarem muito próximo da sua estrela), ou por Pegasides (por terem como exemplo o planeta 51 Peg b). Os 10 exoplanetas com trânsito que se conhecem têm massas
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
entre 100 e 430 vezes a massa da Terra (para comparação, Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
, o maior planeta do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, tem 318 massas terrestres).

Embora raros, os planetas com trânsito podem revelar-nos muito sobre a formação de planetas porque só para estes é que se pode determinar simultaneamente a sua massa e raio. Assim fica-se a conhecer a sua densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
média que, em princípio, pode dar-nos algumas pistas sobre a sua composição global. Contudo, para passar de densidade global para composição global são necessários modelos muito precisos da estrutura interna e da evolução dos planetas. A situação torna-se difícil devido ao nosso desconhecimento do comportamento da matéria quando sujeita a pressões muito elevadas - a pressão no interior dos planetas gigantes é mais de um milhão de vezes a pressão atmosférica na Terra!

Até agora, dos 9 planetas com trânsito conhecidos até Abril de 2006, apenas o de menor massa podia ter a sua composição global determinada de forma satisfatória. Mostrou-se que possuía um núcleo com massa elevada e composto de elementos químicos pesados
metal
Em Astronomia, todos os elementos químicos de número atómico superior ao do hélio são designados por metais, ou por elementos pesados.
, com cerca de 70 vezes a massa da Terra; este está envolto por uma camada de hidrogénio e hélio, com cerca de 40 massas terrestres. Dos restantes 8 planetas, determinou-se que 6 eram essencialmente compostos por hidrogénio e hélio, como Júpiter e Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
, mas a massa dos seus núcleos centrais não pôde ser determinada. Os restantes dois planetas eram demasiado grandes para serem explicados por modelos simples.

Um novo estudo, que tenta abordar o assunto de uma nova forma, foi agora aceite para publicação na revista científica Astronomy and Astrophysics. A equipa de T. Guillot (CNRS/Observatório de la Côte d'Azur, França), da qual faz parte o astrofísico português Nuno Santos (Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa/Centro de Geofísica de Évora), considerou os 9 exoplanetas com trânsito como um conjunto e determinou propriedades homogéneas para todos eles: o núcleo central tem entre 0 (não existente, ou muito pequeno) e 100 massas terrestres e está envolto por uma camada de hidrogénio e hélio. Depois, comparou as propriedades planetárias com as propriedades das respectivas estrelas mãe. Utilizaram modelos de evolução e constrangimentos impostos pela idade das estrelas mãe para derivar a massa de elementos pesados presente nos planetas.

O resultado foi a descoberta de uma correlação muito forte entre a massa de elementos pesados dos exoplanetas e a metalicidade
abundância de metais
A abundância de metais de um dado objecto celeste é a abundância química de todos os seus elementos, excepto o hidrogénio e o hélio. Para os astrónomos, todos os elementos com número atómico superior ao do hélio são considerados metais.
das respectivas estrelas mãe. Exoplanetas com menos de 20 massas terrestres de elementos pesados orbitam estrelas com composição solar, enquanto planetas com até 100 massas terrestres de elementos pesados orbitam estrelas com cerca de três vezes a metalicidade solar.

Estas conclusões, juntamente com a ausência de exoplanetas gigantes descobertos a orbitarem muito perto estrelas de metalicidade baixa, parecem indicar que os elementos pesados desempenham um papel chave na formação de exoplanetas do tipo Júpiteres quentes. Realça-se que as elevadas massas de elementos pesados que se determinaram para os planetas que orbitam estrelas ricas em metais não era previsto pelos modelos de formação de planetas.

A correlação entre a composição planetária e estelar destes sistemas ainda tem de ser confirmada por uma maior amostra de exoplanetas com trânsito, mas este trabalho marca o primeiro passo no nosso estudo da natureza física destes planetas.

Fonte da notícia: http://www.edpsciences.org/journal/index.cfm?edpsname=aa&niv1=others&niv2=press_release&niv3=PRaa200611