Desvendando a história da emissão de luz no Universo

2006-05-04

Em cima: Os efeitos da luz extragaláctica de fundo (EBL) na emissão de raios gama de um quasar distante antes de atingir a Terra. Os raios gama são parcialmente absorvidos ao colidirem com os fotões da EBL produzidos por todas as estrelas e galáxias do Universo. Se a densidade de fotões da EBL é elevada (parte de cima do gráfico), a absorção é alta e os raios gama de maior energia perdem-se. O espectro é fortemente alterado. Se, pelo contrário, a densidade for baixa (parte de baixo do gráfico) a absorção é menor e o espectro não é alterado tão significativamente. Crédito: HESS Collaboration. Em baixo: O espectro HESS do blazar 1ES 1101-232. A distribuição de energias dos raios gama detectados é assinalada a vermelho. A azul mostra-se a distribuição original deduzida, como seria emitida na fonte, reconstruída supondo níveis diferentes da luz difusa de fundo. Se o nível de luz de fundo é elevado (esquerda e centro), o espectro original é muito diferente da distribuição típica esperada para este tipo de objectos e dificilmente se explica como uma característica intrínseca. Com um nível baixo de luz de fundo, o espectro original torna-se compatível com as características normais deste tipo de quasar. Crédito: HESS Collaboration.
A luz emitida por todos os objectos do Universo durante toda a sua história – estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
, quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
, etc. – forma um mar difuso de fotões
fotão
O fotão, muitas vezes referido como a partícula de luz, é o quantum do campo electromagnético e é a partícula elementar da radiação electromagnética.
, que se espalha pelo espaço intergaláctico, designado por “luz extragaláctica
extragaláctico
Em Astrofísica, qualquer domínio de investigação que envolva o estudo de objectos celestes que se encontram para além da nossa própria galáxia é designado por extragaláctico.
de fundo”, ou EBL (do inglês Extragalactic Background Light). Há muito que os cientistas, na sua empresa de decifrarem a história e a evolução do cosmos
Cosmos
O conjunto de tudo quanto existiu, existe e alguma vez existirá. A larga escala, o Universo parece ser isotrópico e homogéneo.
, tentam medir este registo fóssil da actividade luminosa do Universo e avaliar a contribuição das primeiras estrelas, formadas antes das primeiras galáxias. Mas uma determinação directa a partir do brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
difuso do céu nocturno é muito difícil e incerta.

Os raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
de energia muito alta, chamados VHE (do inglês Very High Energy), que são algo como 100 000 000 000 vezes mais energéticos do que a luz normal, oferecem uma maneira alternativa de determinar esta luz de fundo. Com o intuito de alcançar este objectivo, investigadores da Universidade de Durham, no Reino Unido, juntamente com um grupo de colegas de vários países, usaram o Sistema Estereoscópico de Alta Energia - HESS – uma rede de telescópios de raios gama, situado nas terras altas de Khomas, Namíbia, para observar vários quasares - as fontes de raios gama mais energéticas que se conhecem. Os resultados, publicados a 20 de Abril na revista Nature, revelaram-se bastante invulgares.

Os raios gama, produzidos nos eventos mais violentos do Universo, são absorvidos na sua viagem, desde objectos muito distantes até à Terra, pelos fotões da radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de fundo dita “normal” que eventualmente encontrem pelo caminho. Os espectros de raios gama destas fontes distantes guardam o registo destas interacções. Assim, usando os quasares distantes como prova e estudando o efeito da luz fossilizada na distribuição de energia dos raios gama iniciais, os astrofísicos utilizaram o HESS para determinar um limite para a quantidade máxima desta luz extragaláctica de fundo, limite esse que é notavelmente inferior ao que as estimativas prévias tinham sugerido.

Este resultado tem consequências importantes para o nosso conhecimento acerca da formação das galáxias e da sua evolução. Sugere que o Universo é claramente mais transparente aos raios gama do que se calculava e promove as galáxias como fontes dominantes de luz, em vez das estrelas primitivas.

Comentando os resultados obtidos, Lowry McComb, da Universidade de Durham, afirmou que o sistema HESS conseguiu, nos últimos anos, um número importante de descobertas relacionadas com fontes de raios gama de alta energia na nossa galáxia e revolucionou esta área da Astronomia. Estes novos resultados do HESS ilustram as potencialidades deste instrumento para a Astronomia Extragaláctica e para a Cosmologia. A descoberta de baixos níveis de luz estelar intergaláctica tem um efeito colateral interessante: se o Universo é mais transparente para os raios gama, os telescópios podem perscrutar mais profundamente o cosmos, aumentando a hipótese de novas descobertas.

Fonte da notícia: http://www.pparc.ac.uk/Nw/GammaRay.asp