A dança cósmica das galáxias distantes

2006-03-22

Em cima: Três exemplos de resultados obtidos com o GIRAFFE para galáxias distantes. Na primeira coluna, imagens das galáxias obtidas pelo Hubble. Na segunda coluna o campo de velocidades deduzido das observações do GIRAFFE: as zonas vermelhas indicam material que se está a afastar, em relação à velocidade média da galáxia, e as azuis material que se está a aproximar; a escala é em quilómetros por segundo. A última coluna mostra um mapa da densidade de electrões por centímetro cúbico. O primeiro objecto analisado corresponde a uma galáxia espiral, que forma estrelas a uma taxa impressionante de 100 massas solares por ano; o mapa de densidade de electrões permite localizar a região de formação de estrelas – a região a preto, à esquerda. O segundo objecto é uma galáxia que está fora do seu estado de equilíbrio e que, por isso, mostra um campo de velocidades muito perturbado. O terceiro objecto parece estar a ejectar matéria perpendicularmente ao plano da galáxia. Em baixo: Relação entre a massa total do halo de galáxias distantes (incluindo a matéria escura) e a massa contida nas estrelas. Os triângulos vermelhos, os quadrados verdes e os pontos azuis representam, respectivamente, galáxias com cinemática complexa, rotações perturbadas e discos de rotação (que atingiram o equilíbrio). A linha a cheio e representa a relação válida para as galáxias no Universo local. Todos os dados que fogem à norma se relacionam com galáxias perturbadas. Considerando apenas galáxias que atingiram o equilíbrio, a relação, num desvio para o vermelho moderado, é similar à que se verifica no Universo local. Crédito: ESO.
Um estudo de dezenas de galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
distantes, realizado por uma equipa internacional de astrónomos, revelou que a relação entre a matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
e as estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
(matéria “normal”) nas galáxias não evoluiu durante os últimos 6 mil milhões de anos.

Os cientistas estavam interessados em descobrir de que forma as galáxias longínquas (galáxias que hoje se podem observar tal como eram num Universo muito mais jovem) evoluíram para as configurações das galáxias mais próximas. Em particular, queriam estudar a importância da matéria escura nas galáxias. A matéria escura (um nome criado para descrever um tipo de matéria cujas propriedades os astrónomos ainda hoje desconhecem) compõe, ao que se julga, cerca de 25% do Universo e é a análise do movimento de rotação das galáxias que leva a inferir a sua presença, já que, de outra forma, estas estruturas gigantesca dissolver-se-iam.

Nas galáxias mais próximas e na Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, os astrónomos descobriram uma relação entre a quantidade de matéria escura e a de estrelas normais: para cada quilograma de matéria estelar existe aproximadamente 30 quilogramas de matéria escura. Mas é necessário validar esta relação para o passado do Universo. O processo requer que se meçam velocidades em diferentes partes de galáxias distantes, o que, à partida, é uma tarefa complicada. Com efeito, algumas tentativas prévias já tinham tropeçado na incapacidade de observar as galáxias com suficiente detalhe para que se conseguisse identificar uma única direcção, ao longo da galáxia. No entanto, as potencialidades do espectrógrafo multi-objecto GIRAFFE, instalado no Telescópio Kueyen (8,2 m) do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
), vieram dar uma ajuda preciosa.

Os astrónomos utilizaram o GIRAFFE para medirem os campos de velocidade de várias dezenas de galáxias distantes e fizeram uma descoberta surpreendente: 40% dessas galáxias encontravam-se fora do estado de equilíbrio – os seus movimentos internos estavam bastante perturbados. Possivelmente isto é um sinal de que as galáxias sofreram colisões cujas consequências ainda são visíveis. A equipa concluiu que as colisões e as fusões são eventos muito importantes na formação e evolução das galáxias.

Depois, os cientistas focaram o seu estudo apenas nas galáxias que aparentemente atingiram o seu equilíbrio. Descobriram então que a relação entre a matéria escura e a matéria estelar parece não ter sofrido qualquer evolução durante os últimos 6 mil milhões de anos.

A grande resolução espectral do GIRAFFE permitiu ainda que fosse estudada, pela primeira vez em galáxias distantes, a distribuição de gás em função da sua densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
. Os dois resultados mais espectaculares são: um possível jacto de gás e energia, resultante da intensa formação de estrelas dentro de uma galáxia; e uma região gigante de gás muito quente (região HII) numa galáxia em equilíbrio que produz muitas estrelas.

Operando no modo de “espectroscopia 3-D”, ou de “campo integral”, o GIRAFFE consegue obter espectros simultâneos de pequenas áreas de grandes objectos, como galáxias ou nebulosas
nebulosa
Uma nebulosa é uma nuvem de gás e poeira interestelares.
. Utiliza 15 unidades IFU’s (do inglês Integral Field Units) para a realização de medições meticulosas nas galáxias distantes. Cada IFU é constituída por uma rede de lentes bidimensionais com a abertura de 3X2 segundo de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
quadrado. Funciona como o olho de um insecto, com vinte micro lentes acopladas a fibras ópticas que levam a luz registada em cada ponto do campo para o espectrógrafo. O GIRAFFE é o único instrumento no mundo capaz de analisar simultaneamente a luz de 15 galáxias, cobrindo um campo de visão quase tão grande como a lua cheia
Lua Cheia
Lua Cheia é a fase da Lua quando esta se encontra em oposição relativamente ao Sol; quando observada a partir da Terra, a Lua exibe toda a sua superfície iluminada.
. Cada galáxia observada deste modo é dividida em pequenas áreas contínuas onde os espectros são obtidos ao mesmo tempo.

Esta técnica pode, segundo os cientistas, ser aperfeiçoada de modo a ser possível obter registos de muitas outras características físicas e químicas das galáxias distantes, para o estudo detalhado da forma como elas acumulam massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
durante o seu tempo de vida. O GIRAFFE está a revelar os primeiros exemplos de aquilo que pode ser conseguido no futuro com os telescópios de grandes dimensões.

Este estudo foi publicado em três artigos na revista Astronomy and Astrophysics, por astrónomos do Observatório de Paris, Observatório Astronómico de Marselha-Provence, Observatório de Estocolmo, Departamento de Astronomia e Física Espacial de Uppsala (Suécia) e do Instituto Max-Planck para Física Extraterrestre (Alemanha).

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2006/pr-10-06.html