Cientistas interpretam a mais distante explosão cósmica alguma vez detectada

2006-03-16

Em cima: Ilustração representando a evolução de uma estrela. Quando a estrela consome todo o seu combustível entra em colapso. Se a estrela tiver massa suficiente, o colapso dará origem a um buraco negro; este rapidamente formará jactos; as onda de choque irão expelir as camadas exteriores. As fulgurações de raios gama são os sinais da morte estelar e do nascimento de um buraco negro. Crédito: Nicolle Rager Fuller/NSF. Em baixo: A fulguração observada pelo Swift a 4 de Setembro de 2005 - GRB 050904 (gráfico de cima) - apresenta picos menos intensos, mas em maior numero e também uma duração muito maior, quando comparada com uma fulguração típica - GBR 050326 (gráfico de baixo) - detectada pelo Swift a 26 de Março de 2005. Crédito: Dr. Neil Gehrels.
No número de 9 de Março de 2006 da revista Nature, cientistas da Universidade de Penn State e outros colegas americanos e europeus discutem, em três artigos, como uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
, detectada a 4 de Setembro de 2005, pode ter sido o resultado do colapso de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
para dar origem a um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
. A fulguração aconteceu há cerca de 12,8 mil milhões de anos, numa era subsequente à formação das primeiras estrelas e das primeiras galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
(500 a 1000 milhões de anos após o Big Bang). O Universo tem aproximadamente 13,7 mil milhões de anos, pelo que este evento constitui uma prova ideal para o estudo das condições existentes no Universo Primitivo.

Os cientistas acreditam que a origem da fulguração se relaciona com uma estrela de grande massa, que teve uma vida curta e que provavelmente pertenceu a um tipo de estrelas específico dos primeiros tempos do Universo. A fulguração foi designada por GRB 050904, de acordo com a data em que foi detectada pelo satélite Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ASI/PPARC). O Swift forneceu as coordenadas do evento para que outros satélites, assim como alguns telescópios localizados em terra, o pudessem observar devidamente – tipicamente as fulgurações não duram mais que 10 segundos, no entanto, o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
pós-fulguração permanece durante dias.

GRB 050904 foi localizada a aproximadamente 13 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra, o que significa que aconteceu há cerca de 13 mil milhões de anos. Poucos objectos foram detectados pelos cientistas a mais de 12 mil milhões de anos-luz, pelo que a descoberta desta fulguração se reveste de uma importância extrema para a compreensão do Universo que fica para além do alcance dos melhores telescópios.

A fulguração foi mais brilhante que mil milhões de sóis e, por isso, mesmo tendo ocorrido a uma distância tão grande, muitos telescópios puderam estudá-la. A equipa do Swift descobriu-lhe algumas características únicas: a sua duração foi muito longa, cerca de 500 segundos e no final exibiu vários picos de intensidade. Estes pormenores implicam que o buraco negro resultante não se terá formado instantaneamente, como alguns cientistas julgavam que aconteceria. O evento terá sido muito mais longo e caótico.

As fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
que têm sido detectadas a menores distâncias da Terra não apresentam tantos picos de intensidade, o que leva os investigadores a considerar que os primeiros buracos negros se formaram de maneira diferente. Esta diferença pode estar relacionada com a hipótese de as estrelas primitivas possuírem mais massa do que as estrelas mais recentes. Ou então pode ser resultado do ambiente que existia no Universo Primitivo, quando as primeiras estrelas começaram a converter hidrogénio e hélio em elementos mais pesados. De facto, de acordo com dados obtidos pelos telescópios em terra, GRB 050904 mostra vestígios de elementos pesados produzidos pela estrela (esta descoberta é até assunto de um outro artigo publicado na revista Nature, por um grupo de cientista japoneses do Instituto de Tecnologia de Tóquio).

A luz de GRB 050904 também exibe um desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
, o que indica uma dilatação temporal, resultante da vasta expansão do Universo ao longo dos 13 mil milhões de anos que a luz levou a chegar à Terra. Este factor operou em benefício dos cientistas da Universidade de Penn State: os instrumentos do Swift foram virados para a fulguração 2 minutos após o seu começo, mas com a fulguração a progredir em câmara lenta, foi como se apenas tivessem passado 23 segundos desde o seu início; assim, os cientistas puderam observar o evento praticamente a partir dos primeiros momentos.

Apenas um objecto – um quasar
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
– foi detectado a uma distância superior à de esta fulguração. Todavia, enquanto os quasares são buracos negros gigantescos que contêm a massa de milhares de milhões de estrelas, esta fulguração provêm de uma única estrela. GRB 050904 confirma a ideia de que as estrelas de grande massa coexistiram com os quasares mais remotos. E prova também que podem ser estudadas mais explosões de estrelas distantes – talvez das primeiras estrelas – através da combinação de observações realizadas pelo Swift e por outros grandes telescópicos.

Fonte da notícia: http://www.science.psu.edu/alert/Burrows3-2006.htm