O mistério da radiação X de fundo da nossa Galáxia

2006-02-24

A sobreposição da imagem em raios-X obtida pelo Rossi XTE (contornos brancos) e a imagem no infravermelho da nossa Galáxia obtida pelo COBE (a cores) indica que a emissão da radiação X segue a distribuição de massa estelar, sugerindo que os raios-X de fundo da nossa galáxia são produzidos por fontes indivuduais, em grande número e de fraco brilho. Crédito: NASA/Max Planck Institute for Astrophysics.
A observação da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
tem revelado uma radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de fundo sempre presente. Os telescópios de raios-X conseguem identificar fontes discretas de radiação X, mas apenas dão conta de 30% da radiação total observada. Este facto tem levado a teorizar a existência de uma fonte difusa, por natureza, de raios-X, mas a sua origem tem levantado problemas.

Por exemplo, se este brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
em raios-X tem origem em gás quente e difuso, então este gás deveria escapar-se da nossa Galáxia. E para complicar ainda mais, a quantidade de gás necessária para justificar a radiação X de fundo observada teria de vir de milhões de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que explodiram como supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, o que implica que as actuais estimativas da taxa de formação e morte de estrelas estão muito erradas.

Um estudo recente pode ter desvendado a origem da radiação de fundo em raios-X da nossa Galáxia, concluindo que não se trata de radiação difusa, mas sim de fontes individuais de centenas de milhões de estrelas: anãs brancas
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
e estrelas activas. Os resultados são discutidos em dois artigos científicos publicados recentemente na revista Astronomy & Astrophysics, por um grupo de investigadores do Instituto Max Planck para a Astrofísica (Alemanha), do qual fazem parte M.Revnivtsev e S.Sazonov.

O novo estudo utiliza o mapa mais detalhado da nossa Galáxia em raios-X, baseado em quase 10 anos de recolha de dados pelo satélite Rossi XTE (NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
).

De acordo com os investigadores, a radiação X mais energética da nossa Galáxia deve-se quase inteiramente a fontes chamadas variáveis cataclísmicas. Uma variável cataclísmica é um sistema binário que contém uma estrela normal e uma anã branca. Sozinha, uma anã branca é pouco brilhante. Mas num binário, pode arrancar matéria da companheira, formando um disco de acreção
disco de acreção
Disco composto por gás e poeira interestelares que pode circundar buracos negros, estrelas de neutrões, variáveis cataclísmicas, ou estrelas em formação.
. O gás que a anã branca rouba é muito quente e é uma fonte significativa de raios-X.

Por sua vez, a radiação X ligeiramente menos energética deve-se a uma combinação de cerca de um terço de variáveis cataclísmicas e dois terços de coroas estelares activas. A maior actividade das coroas estelares tem lugar em binários, onde uma companheira próxima mistura as camadas exteriores das estrelas, fornecendo energia às fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
estelares, que emitem raios-X.

A equipa científica acredita que há mais de um milhão de estrelas variáveis cataclísmicas na nossa Galáxia e perto de mil milhões de estrelas activas e assim justifica com fontes individuais a totalidade da radiação X de fundo observada na nossa Galáxia. Contudo, ambos os números reflectem uma subestimação do número de estrelas em estudos anteriores, talvez por duas ordens de grandeza.

Fonte da notícia: http://www.mpg.de/english/illustrationsDocumentation/documentation/pressReleases/2006/pressRelease20060221/index.html