Fulgurações de raios gama de curta duração em enxames globulares

2006-02-02

Em cima: O enxame globular M15 contém um sistema duplo de estrelas de neutrões, o M15C, que eventualmente se irá fundir de forma violenta emitindo uma GRB de curta duração. Crédito: NOAO/AURA/NSF. Em baixo: Sequência de imagens (a,b,c,d) de uma concepção artística que mostra os vários estágios da fusão de duas estrelas de neutrões. Durante uma breve fracção de segundo as duas estrelas (cada uma com o tamanho de Manhattan) colidem, formando um buraco negro e emitindo uma enorme quantidade de energia durante o processo. Crédito: NASA / Dana Berry.
As fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
ou GRB’s ( do inglês Gamma-Ray Bursts) são as mais poderosas explosões que se conhecem no Universo, emitindo enormes quantidades de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de alta energia. Durante décadas, a sua origem foi considerada um mistério, mas actualmente os cientistas acreditam ter compreendido os processos que provocam este tipo de fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
. No entanto, um novo estudo realizado por Jonathan Grindlay (Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica) e pelos seus colegas, Simon Portegies Zwart (Instituto Astronómico da Holanda) e Stephen McMillan (Universidade de Drexel), sugere uma nova fonte para algumas destas fulgurações, uma fonte que até agora tinha sido ignorada: encontros estelares em enxames globulares. A equipa concluiu que um terço das fulgurações de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
de curta duração que são observadas pode ter origem na fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
em enxames globulares.

Existem dois tipos de fulgurações de raios gama: as de longa duração – que se prolongam por um minuto ou mais e que os astrónomos relacionam com a explosão de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
, as hipernovas – e as de curta duração – que demoram apenas uma fracção de segundo. Os astrónomos elaboraram uma teoria que atribui a origem das fulgurações de raios gama de curta duração à colisão de duas estrelas de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
, ou de uma estrela de neutrões com um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
. Como exemplo, podemos considerar um sistema duplo de estrelas de neutrões; na sua maioria, estes sistemas resultam da evolução de duas estrelas de grande massa orbitando-se mutuamente e que o processo de envelhecimento acaba por transformar em estrelas de neutrões; estas continuam depois a orbitar-se, por milhões ou milhares de milhões de anos, até ao momento em que acabam por se fundir; quando isso acontece é emitida uma fulguração de raios gama.

Este tipo de sistemas precursores, contendo uma estrela de neutrões na forma de um pulsar de milissegundo, são observados por todo o lado nos enxames globulares. Com efeito, os enxames globulares são muito densos e por isso propícios para que neles ocorra uma grande quantidade de interacções. São, assim, meios naturais de formação de sistemas binários de estrelas de neutrões.

Os astrónomos realizaram cerca de três milhões de simulações por computador para calcular a frequência
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
com que os sistemas binários de estrelas de neutrões se podem formar nos enxames globulares. Sabendo quantos se formaram na história da Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
e quanto tempo, aproximadamente, um sistema leva a fundir-se, determinaram então a frequência das fulgurações de raios gama de curta duração esperadas em binários de enxames globulares. Estimaram valores entre os 10 e 30 porcento de todas as fulgurações de raios gama curtas observadas.

Esta estimativa leva em conta uma curiosa tendência revelada por recentes observações de GRB’s. As fulgurações provenientes dos chamados binários de “disco” de estrelas de neutrões – sistemas criados por duas estrelas de grande massa que se formam e morrem ao mesmo tempo – acontecem com uma frequência 100 vezes superior à das fulgurações oriundas de binários de enxames globulares. Contudo, o pequeno número de fulgurações curtas até agora localizado com precisão tende a ser proveniente dos halos galácticos e de estrelas muito velhas, como é o caso dos enxames globulares.

Para explicar esta discrepância, a equipa sugere o seguinte: como nos binários de disco, isto é, de estrelas que se formaram ao mesmo tempo, os spins estão alinhados com a órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
, então, quando as estrelas se fundem, as fulgurações são emitidas num flash mais estreito, visível num menor número de direcções e, portanto, mais difícil de observar. Porém, as estrelas com orientações aleatórias, que nos enxames globulares se juntam para formarem um binário, ao colidirem, deverão emitir fulgurações mais amplas.

Apenas uma meia dúzia de fulgurações de raios gama de curta duração foi recentemente localizada pelos satélites com precisão, o que torna o seu estudo mais difícil. À medida que forem detectados novos exemplos, os cientistas poderão ir compreendendo melhor o fenómeno.

O artigo anunciando estas descobertas foi publicado a 29 de Janeiro na página da Nature Physics. Está desponível em http://www.nature.com/nphys/index.html e em pré-impressão em http://arxiv.org/abs/astro-ph/0512654.

Fonte da notícia: http://www.cfa.harvard.edu/press/pr0612.html