Hubble ajuda a determinar a massa da companheira de Sírio

2005-12-16

Imagem do Hubble mostrando Sírio, a estrela mais brilhante no céu nocturno, juntamente com a sua companheira Sírio B. Os astrónomos fizeram uma super-exposição da imagem de Sírio A (ao centro) para que Sírio B (o pequeno ponto em baixo, à esquerda) pudesse ser observado. Os raios difractados em cruz e os anéis concêntricos em torno de Sírio A, tal como o pequeno anel em torno de Sírio B, são artefactos produzidos pelo sistema de imagem do telescópio. As duas estrelas orbitam-se em cada 50 anos. Crédito: NASA, H.E. Bond and E. Nelan (Space Telescope Science Institute, Baltimore, Md.); M. Barstow and M. Burleigh (University of Leicester, U.K.); and J.B. Holberg (University of Arizona).
A companheira de Sírio
Sirius
Sírius, ou Sírio, é a estrela mais brilhante do céu nocturno. É uma estrela branca de classe espectral A1 V, a uma distância de 8,6 anos-luz, na constelação do Cão Maior. Em torno desta estrela (oficialmente designada por Sirius A) orbita uma fraca anã branca, Sirius B, com um período de 49,9 anos. Sirius A é a estrela adulta (dita da sequência principal) de classe A mais próxima de nós, sendo Siruis B igualmente a anã branca mais próxima da Terra.
A (ou apenas Sírio), a estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
branco-azulada da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
de Cão Maior que é a mais brilhante do céu nocturno, é uma pequena anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
, denominada Sírio B. É a anã branca mais próxima da Terra e há muito que os astrónomos tentam determinar a sua massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
. Os resultados têm, no entanto, sido frustrantes, pois o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
de Sírio B encontra-se encoberto pela luz difusa e 10 000 vezes mais brilhante de Sírio A e, como tal, os seus dados espectroscópicos, obtidos por telescópios terrestres observando através da atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
, têm sido severamente alterados. Mas uma equipa internacional de astrónomos utilizou o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) para isolar a luz desta anã branca, com base na forma como o seu intenso campo gravitacional altera os comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
da luz emitida pela estrela.

Sírio B é uma estrela muito pequena, com um diâmetro de apenas 12 000 quilómetros – um diâmetro menor que o da Terra. Porém, a sua densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
é muito maior e o seu poderoso campo gravitacional é 350 000 vezes superior ao da Terra. A luz emitida pela superfície da anã branca tem de ultrapassar este campo gravitacional e durante o processo é alongada para comprimentos de onda maiores, de luz mais vermelha. Este efeito, previsto por Einstein na sua Teoria da Relatividade Geral
Teoria da Relatividade Geral
A Teoria da Relatividade Geral foi formulada por Albert Einstein em 1916 como expansão da Teoria da Relatividade Restrita (formulada em 1905) de forma a incluir o efeito da gravitação no espaço-tempo. Esta teoria propõe que o espaço-tempo é uma estrutura quadri-dimensional cuja curvatura é determinada pela presença de matéria. Neste sentido, a gravitação manifesta-se como curvatura do espaço-tempo, e não como uma força entre duas massas.
, em 1916, é denominado “desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
gravitacional” e é mais facilmente observado em objectos compactos, mais densos e de maior massa, com intensos campos gravitacionais que deformam consideravelmente o espaço junto às suas superfícies.

Com a ajuda do instrumento STIS (Space Telescope Imaging Spectrograph) do Hubble, os astrónomos isolaram a luz de Sírio B e dispersaram-na num espectro. As medições do desvio para o vermelho obtidas permitiram à equipa descobrir que Sírio B tem uma massa que é 98% da massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. Sírio A tem, por comparação, duas vezes a massa do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e um diâmetro de 2,4 milhões de quilómetros. A teoria prevê que quanto maior for a massa de uma anã branca, menor será o seu diâmetro. A determinação precisa do desvio para o vermelho gravitacional de Sírio B permite testar esta relação chave.

As anãs brancas são a última fase da evolução de estrelas semelhantes ao Sol, que depois de terem gasto todo o seu combustível acabam por sofrer colapso. A determinação da massa das anãs brancas tem uma importância fundamental na compreensão da evolução estelar. O nosso Sol irá eventualmente transformar-se numa anã branca. As anãs brancas são também a fonte das explosões de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
do tipo Ia, que se usam para medir distâncias cosmológicas e a taxa de expansão do universo. Medições com base em supernovas do tipo Ia
supernova Tipo Ia
Uma supernova de tipo I que não apresenta no seu espectro riscas espectrais de hidrogénio e de hélio, mas possui fortes riscas espectrais de silício.
são fundamentais para que se compreenda a energia escura, uma força repulsiva dominante que expande o universo. Além de tudo isto, o método utilizado para determinar a massa das anãs brancas baseia-se num dos pontos chave da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, que diz que a luz perde energia quando tenta escapar à gravidade de uma estrela compacta.

As observações do Hubble também permitiram obter uma valor mais preciso para a temperatura de superfície de Sírio B: 25 200 graus Kelvin. Sírio A tem, por sua vez uma temperatura de superfície de 10 500 graus Kelvin.

A 8,6 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância, Sírio A está em quinta posição na lista das estrelas mais próximas da Terra e é observada desde a antiguidade. No entanto, o seu diminuto companheiro só foi descoberto em 1862, por astrónomos que observavam Sírio com um dos telescópios mais potentes da época.

Detalhes deste trabalho foram apresentados no número de Outubro de 2005 do Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. A equipa compreende cientistas da Universidade de Leicester, Reino Unido, do Space Telescope Science Institute, Baltimore, E.U.A., da Universidade do Arizona, E.U.A. e da Universidade de Kiel, Alemanha.

Fonte da notícia: http://hubblesite.org/newscenter/newsdesk/archive/releases/2005/36/full/