Uma estrela veloz

2005-11-24

Estrela ejectada da Grande Nuvem de Magalhães - ilustração. Crédito: ESO.
Observações realizadas com o telescópio Kueyen, um dos telescópios de 8,2 metros que compõem o VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
), levaram à descoberta de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
jovem, de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
, que se move a grande velocidade através do halo exterior da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
em direcção ao espaço intergaláctico. Esta descoberta pode vir a constituir uma evidência de que existe um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de grande massa, até agora desconhecido, no coração da Grande Nuvem de Magalhães
Grande Nuvem de Magalhães
A Grande Nuvem de Magalhães é uma galáxia irregular que orbita a Via Láctea, a uma distância aproximada de 180 mil anos-luz. Juntamente com a Pequena Nuvem de Magalhães, é um objecto celeste do céu austral bem visível à vista desarmada, na constelação do Dorado (Espadarte). Conhecida desde 964 D.C., quando foi mencionada pelo astrónomo Persa Al Sufi, foi redescoberta por Fernão de Magalhães em 1519. Esta galáxia contém inúmeros objectos interessantes, entre os quais a Nebulosa da Tarântula (NGC 2070).
, um dos mais próximos vizinhos da Via Láctea.

A estrela, de nome HE 0437-5439, foi descoberta graças a um projecto destinado à obtenção de informação espectral em metade do céu do hemisfério sul, uma colaboração entre o Observatório de Hamburgo e o ESO. O projecto foi desenvolvido para a detecção de quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
, mas foram também descobertas muitas estrelas azuis de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
ténue. As observações levaram os cientistas a descobrir o que parece ser uma estrela de grande massa da sequência principal, mas bem distanciada no halo galáctico.

A descoberta foi uma enorme surpresa. As estrelas de grande massa têm tempos de vida de apenas dezenas ou centenas de milhões de anos - tempos de vida curtos, em termos astronómicos. O halo galáctico não costuma hospedar estrelas tão jovens como a que foi encontrada. De facto, é no halo galáctico que se encontram as estrelas mais velhas da Via Láctea, estrelas que têm mais de 10mil milhões de anos. As estrelas de grande massa encontram-se geralmente no disco galáctico, dentro ou perto de regiões de formação estelar, como a famosa Nebulosa de Orionte
M42 (NGC 1976) - Grande Nebulosa de Orionte
M42, a Grande Nebulosa de Orionte, é a região de formação de estrelas de massa elevada mais próxima do Sistema Solar, a uma distância de 1500 anos-luz.
. HE 0437-5439 é, na verdade, bastante semelhante às estrelas do trapézio que fazem brilhar esta nebulosa
nebulosa
Uma nebulosa é uma nuvem de gás e poeira interestelares.
.

Os dados analisados foram obtidos com o UVES, um espectrógrafo de alta resolução do VLT. A composição química da estrela foi determinada e resultou ser semelhante à do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, confirmando-se que se trata de uma estrela jovem, porém a sua massa é oito vezes superior à do Sol e a estrela tem apenas 30 milhões de anos. HE 0437-5439 localiza-se a uma distância de quase 200 000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, na direcção da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Espadarte (Dourado em latim).

Mas o mais interessante foi o facto de os dados indicarem que a estrela se está a afastar a uma velocidade de 2,6 milhões de quilómetros por hora. HE 0437-5439 move-se tão depressa que a atracção gravitacional da Via Láctea não consegue mantê-la dentro das suas fronteiras. Assim sendo, esta estrela hiperveloz, nascida bem longe do local onde hoje a podemos observar, acabará por se escapar para o espaço intergaláctico.

A pergunta que surge imediatamente é a seguinte: o que está a acelerar esta estrela? Cálculos realizados já no final dos anos 80 mostraram que os buracos negros de massa elevadíssima (com 1 milhão ou mais de massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
) podem ser responsáveis pela aceleração
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
de uma estrela. Com efeito, se considerarmos um binário que se aproxime de um destes buracos negros, uma das estrelas que o compõem cairá no buraco enquanto que o seu companheiro será ejectado a uma grande velocidade. Ora, no núcleo da Via Láctea existe um buraco negro gigante, com uma massa de 2,5 milhões de massas solares, que poderia ter ejectado e acelerado HE 0437-5439. Mas se assim foi, há dados que não batem certo. A estrela é demasiado jovem para poder ter percorrido a distância entre o centro da Galáxia e a sua localização actual, uma vez que o tempo necessário para percorrer essa distância é três vezes superior à idade da estrela. Então, ou a estrela é mais velha do que aparenta, ou então terá nascido e sido acelerada fora da Galáxia.

Mas existe uma outra pista diferente para a origem de HE 0437-5439, que advém da sua localização no céu. HE 0437-5439 situa-se a 16 graus da Grande Nuvem de Magalhães. Esta galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
está a uma distância de 156000 anos-luz. A estrela está ainda mais distante que a Grande Nuvem e está mais perto do centro desta galáxia que do centro da Via Láctea. Os astrónomos provaram que, se a estrela tiver sido ejectada da região central da Grande Nuvem de Magalhães, então poderá ter atingido a sua posição actual durante o seu tempo de vida. Esta conclusão pressupõe, no entanto, que deverá existir um buraco negro de massa elevada no centro da Grande Nuvem de Magalhães.

Uma outra explicação requer que a estrela HE 0437-5439 seja o resultado da fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de duas estrelas, pertencendo a uma classe denominada “blue stragglers”, que são mais velhas do que os modelos standard costumam prever. Na verdade, a sua idade pode ser tanta quanto o tempo de vida de uma estrela de 4 massa solares, o que é 6 vezes mais que o tempo de vida de uma estrela de 8 massas solares.

Os astrónomos propuseram ainda duas observações adicionais para que uma das duas explicações seja validada. Uma delas relaciona-se com as abundâncias. Sabe-se que nas estrelas que pertencem à Grande Nuvem de Magalhães, certos elementos têm uma abundância que é metade da abundância dos mesmos elementos no Sol. Será necessário efectuar medições mais precisas das abundâncias de HE 0437-5439 para que se possa concluir se são valores apropriados para uma estrela da Grande Nuvem de Magalhães. Na segunda observação os astrónomos pretendem determinar o quanto a estrela se move numa direcção transversal.

Os resultados desta pesquisa serão publicados num artigo no Astrophysical Journal Letters em breve.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2005/pr-27-05.html