Estrelas de quarks talvez sejam realidade

2002-04-11

Ilustração das dimensões relativas do Grand Canyon (29 km), de uma estrela de neutrões (19km) e de uma estrela de quarks (11 km). Crédito Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics.
Observações realizadas pelo observatório de raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) das fontes RX J1856.5-3754 e 3C58, consideradas até agora estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
, sugerem que a matéria destes objectos é ainda mais densa do que a matéria nuclear que se encontra na Terra. Se assim for, levanta-se a hipótese de estas estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
serem constituídas por quarks
quark
Partícula elementar a partir da qual se formam todos os hadrões - partículas sujeitas à interacção nuclear forte, nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Por exemplo, os protões, os neutrões e os piões são constituídos por quarks. Os quarks não se encontram isolados na natureza. Conhecem-se seis tipos de quarks (u,d,s,c,b,t), sendo que cada um deles pode ocorrer em três variedades chamadas de "cores" (vermelho, verde e azul).
puros, ou de conterem cristais de partículas sub-nucleares que, normalmente, têm uma existência muito breve após colisões de alta-energia.

Combinando os dados obtidos pelo observatório Chandra com observações realizadas pelo telescópio espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
, astrónomos determinaram que a fonte RX J1856.5-3754 emite radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
como um corpo sólido à temperatura de 700 000 graus Celsius (cem vezes mais quente do que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
) e com um diâmetro de 11.3 km (cem mil vezes menor do que o Sol). A pequena dimensão do objecto não é compatível com os actuais modelos de estrelas de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
, o exemplo mais extremo de matéria até agora conhecido. Uma possibilidade é a estrela ser composta, não por neutrões, mas sim por quarks, os constituintes fundamentais das partículas nucleares. Até hoje, nunca se observaram quarks sem ser em núcleos atómicos
núcleo atómico
O núcleo dum átomo é a parte central do átomo e é formado por protões e neutrões, ligados pela interacção nuclear forte. Os electrões orbitam à volta do núcleo atómico. Quase toda a massa do átomo está no seu núcleo e este tem carga eléctrica positiva.
.

Surpreendentes são também os resultados referentes à fonte 3C58, que se acreditava ser uma estrela de neutrões criada numa explosão testemunhada por astrónomos chineses e japoneses em 1181 D.C. A radiação X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
detectada pelo Chandra não corresponde ao que seria de esperar de uma estrela com uma superfície quente, revelando que a sua temperatura é inferior a um milhão de graus Celsius. Este valor, bastante menor do que o previsto pelos modelos teóricos de estrelas de neutrões, leva a que se formule a hipótese de que outra forma de matéria constitui este objecto.

Os astrónomos lembram que estes resultados ainda são preliminares e que mais observações são necessárias para resolver estes mistérios. Por exemplo, os resultados da fonte RX J1856.5-3754 poderiam ser interpretados como sendo de uma estrela de neutrões normal que possuísse, na sua superfície, uma região quente (hot spot). No entanto, assim sendo, esperar-se-ia que a radiação X da fonte sofresse uma variação regular de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
, ou seja, que pulsasse, o que não é observado. Dentro deste quadro, a ausência de pulsação da estrela só pode ser explicada se os pulsos de radiação possuem uma orientação muito especial com a Terra.

Fonte original: http://chandra.harvard.edu/press/02_releases/press_041002.html