Estrelas formam-se surpreendentemente perto do buraco negro da Via Láctea

2005-10-20

Em cima: Imagem do centro da Galáxia, obtida pelo Chandra e que mostra evidências de um novo e inesperado modelo de formação de estrelas. Crédito: NASA/CXC/MIT/F.K.Baganoff et al. Ao centro: Ilustração do disco de gás em torno de Sgr A*, a partir do qual o enorme conjunto de estrelas de grande massa se formou. Crédito: NASA/CXC/M.Weiss. Em baixo: Duas ilustrações do cenário da migração, posto de parte pelo Chandra. As estrelas em torno de Sgr A* ter-se-iam formado num enxame, longe do buraco negro e depois migrado na sua direcção. Crédito: NASA/CXC/M.Weiss.
De acordo com observações realizadas pelo Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
), o gigantesco buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
existente no centro da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, Sgr A*, ajudou, de uma forma surpreendente, a produzir uma nova geração de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
. Os cientistas estão perante um novo processo de formação de estrelas, que pode resolver vários mistérios acerca dos gigantescos buracos negro que residem nos núcleos de praticamente todas as galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
.

Os buracos negros ganharam a reputação de objectos temíveis, já que qualquer material (estrelas incluídas) que cai no chamado horizonte de eventos nunca mais volta a ser visto. No entanto, estes novos resultados indicam que os imensos discos de gás, que se sabe orbitarem muitos buracos negros, a uma distância segura do horizonte de eventos, podem ajudar a sustentar a formação de novas estrelas.

Esta conclusão foi obtida graças a novas pistas, que apenas podiam ser reveladas através de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
. Até aos últimos resultados obtidos pelo Chandra, os astrónomos discordavam em relação à origem de um misterioso grupo de estrelas de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
, que tinha sido descoberto pelos astrónomos do infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
, descrevendo uma órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
menor que um ano-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
em torno de Sgr A*. O modelo standard previa que, a uma distância tão próxima de Sgr A*, as nuvens de gás a partir das quais as estrelas se formam seriam desfeitas pelas forças de maré do buraco negro.

Para explicar este puzzle, foram propostos dois novos modelos: o modelo do disco e o modelo de migração. O primeiro sugere que a gravidade do denso disco de gás em torno de Sgr A* compensa as forças de maré e permite a formação de estrelas. O segundo lança a hipótese de as estrelas se terem formado num enxame de estrelas, longe do buraco negro e terem depois migrado na sua direcção para formarem o anel de estrelas de grande massa. Esta última hipótese prevê a existência de cerca de um milhão de estrelas de pequena massa (tipo Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
) dentro e em torno do anel, enquanto que no modelo do disco, o número de estrelas de pequena massa pode ser muito menor.

Através das observações do Chandra, os investigadores compararam o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
de raios-X da região em torno de Sgr A* com as emissões de raios-X de milhares de estrelas jovens no enxame de estrelas da Nebulosa de Orion
M42 (NGC 1976) - Grande Nebulosa de Orionte
M42, a Grande Nebulosa de Orionte, é a região de formação de estrelas de massa elevada mais próxima do Sistema Solar, a uma distância de 1500 anos-luz.
. Descobriram que o enxame de Sgr A* contém apenas cerca de 10000 estrelas de pequena massa, afastando assim a hipótese proposta pelo modelo de migração. A conclusão obtida é a de que as estrelas não foram depositadas em torno de Sgr A* por uma enxame passageiro, mas nasceram naquela região. Esta evidência real pode vir a surpreender alguns cientistas.

O centro da Galáxia está encoberto por gás e poeira e por isso não tem sido possível encontrar as estrelas de pequena massa em observações realizadas no visível. Em contraste, os dados de raios-X permitiram penetrar através do véu de gás e poeira e revelar as estrelas.

Os resultados desta investigação sugerem que as regras da formação de estrelas mudam quando as estrela se formam no disco de um buraco negro gigante. Este ambiente particular é muito diferente do ambiente típico das regiões de formação de estrelas. Isto provoca alterações na proporção das estrelas que se formam, por exemplo: há uma percentagem muito maior de estrelas de grande massa.

Quando estas estrelas de grande massa explodem, como supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, a região fica mais fértil em elementos pesados, como o oxigénio. Este facto poderá explicar as grandes quantidades deste tipo de elementos observadas nos discos de jovens buracos negros gigantes.

Os resultados desta investigação serão apresentados num artigo a ser publicado no próximo volume da Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, por Sergei Nayakshin da Universidade de Leicester, UK, e Rashid Sunyaev do Max Plank Institute for Physics, em Garching, Alemanha.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/05_releases/press_101305.html