Spitzer e Hubble descobrem galáxia bebé gigantesca no Universo recém-nascido

2005-10-06

De cima para baixo: 1-A galáxia HUDF-JD2 foi localizada entre outra 10000, numa pequena área do céu, o Campo Ultra Profundo do Hubble (HUDF), que é a mais profunda imagem do Universo alguma vez conseguida nos comprimentos de onda do visível e do infravermelho próximo. 2-Uma ampliação de uma pequena área do HUDF, usada para a localização da galáxia. A luz visível da galáxia foi absorvida durante uma viagem de milhares de milhões de anos através de um meio intermédio de hidrogénio gasoso. 3-A galáxia foi detectada usando a câmara NICMOS do Hubble, mas nos comprimentos de onda do infravermelho próximo surge muito ténue e vermelha. 4-O array de infravermelhos do Spitzer detectou facilmente a galáxia em maiores comprimentos do infravermelho. O IRAC é sensível à luz das estrelas mais velhas, vermelhas, que constituem a maior parte da massa da galáxia. O brilho sugere uma massa bastante elevada. Crédito: NASA, ESA, B. Mobasher (STScI/ESA).
O Telescópio Espacial Spitzer
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) e o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) juntaram-se no esforço de avaliar a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
das estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de algumas galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
muito distantes. Uma destas galáxias revelou estar não apenas entre as mais distantes alguma vez observadas, mas também possuir uma massa excessiva e ter atingido um grau de maturidade demasiado evoluído, dada a sua localização num Universo ainda muito jovem.

A galáxia foi localizada entre outras 10000, aproximadamente, que se encontram numa pequena área do céu conhecida como Campo Ultra Profundo do Hubble (Hubble Ultra Deep Field) – uma região para a qual este telescópio conseguiu as imagens de maior profundidade de campo alguma vez obtidas, nos comprimentos de onda do visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
e do infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
. A imagem desta galáxia surge igualmente num dos levantamentos mais rigorosos realizados pelo Spitzer, o GOODS (Great Observatories Origins Deep Survey). Calcula-se que a galáxia esteja tão distante quanto as galáxias e quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
mais distantes até agora descobertos. A luz que hoje nos chega deste gigantesco objecto terá começado a sua viagem quando o Universo tinha apenas 800 milhões de anos.

Bahram Mobasher, da ESA e do STScI, membro da equipa que descobriu a galáxia, afirma que ela parece ter crescido incrivelmente depressa, durante poucas centenas de milhões de anos logo após o Big Bang. Formou cerca de oito vezes mais massa estelar do que aquela que se pode encontrar neste momento na Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
e depois, subitamente, parou a formação de estrelas, dando a ideia de ter envelhecido prematuramente.

Com efeito, quando os cientistas estudavam o campo ultra profundo do Hubble e encontraram esta galáxia nas imagens em infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
esperavam ter encontrado uma galáxia bebé, semelhante a outras descobertas a distâncias comparáveis. Em vez disso, depararam-se com uma galáxia adolescente, quase adulta, muito maior que as outras pertencentes à mesma era cósmica primitiva.

Mobasher e os seus colaboradores estimaram a distância a que se encontra a galáxia combinando informações provenientes do Hubble, do Spitzer e do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
. Em conjunto, estes observatórios conseguem cobrir uma larga faixa do espectro electromagnético
espectro electromagnético
O espectro electromagnético é a gama completa de comprimentos de onda da radiação electromagnética. Divide-se usualmente nas bandas dos raios gama, raios-X, ultravioleta, visível, infravermelho, submilímetro, milímetro, microondas (comprimentos de onda da ordem do centímetro) e rádio (comprimentos de onda superiores ao metro).
, desde o visível ao infravermelho médio
infravermelho intermédio
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 5 e 40 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 92 e 740 graus Kelvin.
(0,4 a 24 microns
mícron (µm)
O mícron (µm), ou micrómetro, é uma unidade de comprimento que corresponde à milésima parte do milímetro: 1µm = 10-3mm = 10-6 m.
). O brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
relativo da galáxia nos diferentes comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
é influenciado pela expansão do Universo, o que permite aos astrónomos estimar a distância a que ela se encontra; ao mesmo tempo, é possível fazer uma ideia da quantidade de massa acumulada pela galáxia e também da idade das suas estrelas. A equipa tentou confirmar a distância estimada com medições espectroscópicas a partir dos grandes telescópios em terra (VLT, Keck e Gemini), mas a galáxia tornava-se indistinta nestas observações. Mesmo assim, a variedade de comprimentos de onda em que a galáxia pode ser observada torna única a sua impressão digital, em termos de cor, e isto trás uma consistência satisfatória às estimativas efectuadas.

A câmara de pesquisa avançada ACS do Hubble não conseguiu detectar a galáxia, mesmo tendo em conta que a imagem de campo ultra profundo é a mais pormenorizada alguma vez conseguida no visível. Isto indica que a luz azul da galáxia foi absorvida durante uma viagem de milhares de milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
através de um meio intermédio de hidrogénio gasoso. A galáxia foi detectada pela câmara de infravermelhos do Hubble, a câmara NICMOS (infravermelho próximo e espectrómetro
espectrómetro
O espectrómetro é um instrumento cuja função é medir os comprimentos de onda de um determinado espectro de luz, permitindo identificar as espécies químicas responsáveis pelas riscas existentes nesse espectro.
multi-objecto), e também por uma câmara de infravermelhos do VLT; mas em quaisquer destes comprimentos de onda resultava uma imagem muito ténue e vermelha.



A grande surpresa surgiu nas imagens obtidas pela câmara IRAC do Spitzer (um array de infravermelhos), que facilmente detectaram a galáxia em comprimentos de onda até cinco vezes superiore aos obtidos pelo Hubble. A câmara IRAC é sensível à luz proveniente das estrelas mais velhas, mais vermelhas, que constituem a maior parte da massa de uma galáxia. O brilho detectado sugere para este caso uma massa bastante elevada. A galáxia ainda hoje seria considerada enorme, pelo que foi, sem dúvida, gigantesca, numa época em que o Universo tinha apenas 800 milhões de anos.

Os levantamentos GOODS do Spitzer já tinham revelado algumas evidências de estrelas maduras em galáxias mais vulgares, de menores dimensões, situadas a distâncias semelhantes. Membros da equipa do GOODS publicaram, ainda, análises que identificavam outras galáxias, de massa quase equiparável à da Via Láctea, observadas quando o Universo tinha menos de mil milhões de anos. Todavia, as novas observações, realizadas por Mobasher e pela sua equipa, vêm ampliar dramaticamente a noção existente de “galáxia bebé surpreendentemente madura ” para um objecto com, talvez, dez vezes mais massa e que parece ter formado as suas estrelas ainda mais cedo na história do Universo.

De uma maneira geral, os astrónomos estão convencidos de que as galáxias se formam por partes, isto é, pela fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de galáxias mais pequenas. Mas a descoberta deste objecto sugere que pelo menos algumas se terão formado rapidamente e na sua totalidade, há muito tempo, o que trás de volta velhas teorias de formação monolítica de galáxias. Um evento deste tipo teria sido algo tremendamente explosivo, de tal forma que a energia libertada durante o rápido nascimento das estrelas teria ajudado a reaquecer o Universo, pouco tempo depois de ele ter arrefecido, após o Big Bang.

Esta época primitiva (os primeiros 5% da idade actual do Universo) parece ter sido muito fértil em acontecimentos. Acontecimentos que estão à espera de serem investigados pelo Telescópio Espacial James Webb – JWST – (NASA/ESA/CSA), que deverá ter sensibilidade suficiente em infravermelho para poder olhar para as primeiras estrelas que se formaram após o Big Bang. Planeado para ser lançado em 2012, o JWST terá poder não apenas para observar os objectos mais distantes, como para medir as suas impressões digitais espectrais, permitindo calcular distâncias mais fiáveis e obter melhor informação sobre as composições químicas.

Fonte da notícia: http://www.spacetelescope.org/news/html/heic0513.html