O telescópio espacial XMM-Newton da ESA prova que as supernovas podem causar fulgurações de raios gama.

2002-05-02

XMM-Newton: o telescópio espacial de raios-X da ESA. Há quase dois anos em órbita e com mais de 1200 observações feitas, o XMM-Newton prepara-se agora para um segundo \'round\' de observações. Crédito:ESA.
Observações obtidas pelo telescópio espacial XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
de uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
, denominada GRB 011211, permitiram, pela primeira vez, inferir a presença de elementos químicos
elemento químico
Elemento composto por um único tipo de átomos. Os elementos químicos constituem a Tabela Periódica.
que são produzidos em supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. Nobert Schartel, astronómo da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
e co-autor do artigo publicado dia 4 de Abril na Nature, afirma que a morte de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
está na origem desta fulguração, embora não se saiba ainda porquê e como é que a fulguração foi desencadeada.

As fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
constituem o fenómeno astronómico mais energético conhecido do Universo. O tipo de processo que lhe dá origem é um dos mistérios da astronomia moderna, sendo que o debate tem estado concentrado em duas hipóteses: as fulgurações poderão ter origem na colisão de estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
ou poderão ter origem em supernovas de estrelas de enorme massa.

A GRB 011211 foi detectada pela primeira vez a 11 de Dezembro de 2001 pelo telescópio espacial Italiano-Alemão BeppoSAX - que detecta a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
na região dos raios gama. A fulguração durou cerca de 270 segundos - a mais longa alguma vez observada por um satélite. Em resposta ao alerta dado pela equipa do BeppoSAX, o telescópio espacial XMM-Newton (que detecta a radiação na região dos raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
) iniciou as observações num momento em que a radiação X da fulguração atingia um brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
equivalente a 7 milhões de vezes o brilho total de uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
.

As observações revelaram dois factos importantes: a emissão provinha de matéria que se deslocava rapidamente em direcção à Terra, com uma velocidade de 10% a velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
, e a matéria continha elementos químicos tipicamente produzidos em supernovas. Relativamente ao primeiro aspecto, os dados disponíveis permitiram concluir que a radiação provinha de uma esfera de material em expansão, cujo raio (na altura das observações) era de 10 mil milhões de quilómetros. Com este valor e sabendo a velocidade a que o material viajava, foi possível concluir que o material tinha sido ejectado poucos dias antes da fulguração. Quanto ao segundo aspecto, o XMM-Newton detectou grandes quantidades de magnésio, silício, enxofre, argon e cálcio, mas pouco ferro. O facto de se ter detectado pouco ferro é consistente com a hipótese da supernova ter ocorrido recentemente: o material ejectado (aquando da supernova) oriundo das camadas mais externas da estrela é inicialmente pobre em ferro, e só após um período superior a 2 meses é que o ferro começa a ser formado nestas regiões.

A hipótese da colisão de estrelas de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
é excluída a partir destes mesmos dados, uma vez que neste caso seria esperado menor quantidade de matéria (magnésio, etc.) ejectada. A pequena abundância de ferro é igualmente contraditória com a hipótese da colisão de estrelas de neutrões: as estrelas só se tornam estrelas de neutrões depois de explodirem como supernovas, um processo que na totalidade demora muitos anos, uma escala de tempo que permitiria a formação de maiores quantidades de ferro do que aquela que o XMM-Newton detectou.

Fonte da noticía: http://sci.esa.int/content/news/index.cfm?aid=1&cid=1&oid=29757