Astrónomos detectam a fulguração de raios gama mais distante de sempre

2005-09-20

A fulguração de raios gama GRB050904 em diferentes filtros no visível (banda z e I) e no infravermelho próximo (bandas J, H e K), observada pelo VLT com o ISAAC e o FORS2. A fulguração é observada em baixo e ao centro da imagem. É óbvio que é muito menos brilhante na banda I e vai se tornando mais brilhante à medida que o comprimento de onda aumenta. Esta característica indica que o objecto se encontra a um desvio para o vermelho elevado, logo, a uma grande distância. Crédito: ESO.
Uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
detectada recentemente bateu um recorde astronómico: tornou-se a fulguração de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
mais distante alguma vez observada.

As fulgurações de raios gama, também designadas por GRBs (do inglês Gamma-Ray Burst), são fenómenos muito rápidos, com uma duração que pode ser inferior a um segundo, ou até alguns minutos. Nesse curto intervalo de tempo, a quantidade de energia libertada é tremenda, o que faz das GRBs dos eventos mais poderosos desde o Big Bang. Actualmente, pensa-se que a maioria das fulgurações de raios gama assinala a morte de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada, cujo fim explosivo dá origem a buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
.

A fulguração de raios gama GRB050904 foi detectada pela primeira vez em 4 de Setembro, pelo Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ASI/PPARC), um satélite dedicado à descoberta e estudo de fulgurações de raios gama. Logo a seguir à detecção, astrónomos em observatórios de todo o mundo tentaram identificar a fonte da fulguração, procurando observar o pós-resplendor em comprimentos de onda do visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
e/ou do infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
.

As primeiras observações realizadas pelo Telescópio Palomar, de 1,5 m, não conseguiram detectar a fonte nos comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
do visível. Daqui concluiu-se que, no visível, o pós-resplendor foi menos brilhante do que magnitude 21. Observações efectuadas no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
próximo com o telescópio SOAR, de 4,1 m, detectaram a fonte com uma magnitude de 17,5 na banda J
banda J
A banda (ou filtro) J situa-se no domínio do infravermelho próximo, centrada no comprimento de onda de 1,25 mícrones e com uma largura de aproximadamente 0,3 mícrones.
, 3 horas após a fulguração de raios gama.

Os dois resultados indicavam que o objecto se encontrava, ou muito longe, ou escondido atrás de uma grande quantidade de poeira. Observações subsequentes com o SOAR vieram mostrar que a segunda hipótese não se verificava e que a fulguração tinha um desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
muito elevado, de z = 6 +/- 1, o que significa que estava a uma distância superior a 12500 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
. Tornou-se assim a fulguração de raios gama mais distante alguma vez observada.

Uma equipa de astrónomos italianos, que forma a colaboração MISTICI, utilizou um dos telescópios de 8,2 m do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
), o Antu, para observar o pós-resplendor da fulguração. As observações realizaram-se no infravermelho próximo com a câmara ISAAC e no visível com o instrumento FORS2, 24,7 e 26 horas depois da fulguração.

O pós-resplendor foi detectado em todos os comprimentos de onda em que se observou. Comparando o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
da fonte nas diferentes bandas, os astrónomos deduziram o desvio para o vermelho do objecto: z = 6.10 (+0.37/-0.12). O valor derivado foi confirmado por observações espectroscópicas efectuadas por outra equipa, que utilizou o Telescópio Subaru
Subaru Telescope
O Telescópio Subaru é um telescópio óptico e de infravermelhos, com um espelho de 8,2 m de diâmetro. O Subaru encontra-se no Observatório de Mauna Kea, no Havai, e é operado pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão – NAOJ e pelo Instituto Nacional de Ciências Naturais.
(NAOJ): z = 6.29 +/- 0.01. Estas medições significam que a luz deste objecto astronómico levou 12 700 milhões de anos a chegar até nós e que estamos a observar o Universo quando este tinha menos de 900 milhões de anos, ou seja, menos de 7% da idade actual.

Para além de bater um recorde de distância, GRB050904 é das fulgurações de raios gama intrinsecamente mais brilhantes de sempre. A sua luminosidade
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
é tal que em poucos minutos deve ter libertado 300 vezes mais energia que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
libertará durante toda a sua vida de 10000 milhões de anos. As fulgurações de raios gama são muito luminosas e têm o potencial de serem mais brilhantes do que as galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
mais distantes que se conhecem, podendo-nos mostrar um Universo ainda mais jovem. E porque as fulgurações de raios gama estão associadas à morte catastrófica de estrelas de massa elevada que colapsam em buracos negros, a existência desses objectos tão cedo na vida do Universo providenciam aos astrónomos informação importante para melhor compreenderem a sua evolução.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2005/pr-22-05.html