Discos circunstelares em proto-estrelas de massa elevada

2005-09-07

Em cima: região de formação do objecto BN; imagem da luz polarizada no infravermelho próximo (banda H;1,6µm). A cor branca corresponde a um maior grau de polarização; as linhas vermelhas são os vectores de polarização que mostram a direcção da polarização nos diferentes locais da imagem; os contornos sobrepostos à imagem mostram a distribuição de brilho do objecto BN no mesmo comprimento de onda. A imagem polarizada tem uma forma de borboleta: as duas asas correspondem a um maior grau de polarização do que o abdómen (risca escura). Segundo o modelo desta equipa, as asas brilhantes representam as paredes da cavidade criada pelo fluxo bipolar da proto-estrela, e o abdómen representa o disco circunstelar. Em baixo: Representação esquematizada dum sistema a formar uma estrela que contém a proto-estrela, um disco circunstelar, um invólucro de gás e poeira e um fluxo bipolar de matéria. Também se mostra a polarização da luz devido à reflexão resultante deste sistema. Crédito: Subaru Telescope, National Astronomical Observatory of Japan (NAOJ).
Actualmente, duas teorias concorrentes tentam explicar como se formam estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada. Por um lado, há quem pense que estas têm origem na fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de objectos estelares jovens
YSO (do inglês Young Stellar Object)
Designa-se por objecto estelar jovem qualquer estrela que tenha evoluído para além da fase de proto-estrela, mas que não seja ainda uma estrela da sequência principal. Ou seja, uma estrela que ainda não acumulou a totalidade da sua massa, mas cujo brilho já é produzido pelas reacções nucleares no interior do seu núcleo. As estrelas do tipo T Tauri e as estrelas do tipo Herbig Ae/Be são exemplos de objectos estelares jovens.
de pouca massa; mas, por outro lado, há quem acredite que o seu processo de formação é semelhante ao de estrelas de pouca massa, através da acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
de matéria de um disco circunstelar. Dois artigos publicados na revista científica Nature vêm dar força a esta última teoria.

Uma equipa de astrónomos, liderada por N. Patel (Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica, EUA), estudou a jovem proto-estrela HW2, que tem uma massa 15 vezes superior à do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, e descobriu um disco achatado de material a orbitá-la. O disco contém entre 1 e 8 vezes tanto gás quanto o Sol e estende-se até mais de 50 mil milhões de quilómetros da proto-estrela (mais que 8 vezes a órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de Plutão
Plutão
Plutão é, na maior parte do tempo, o nono e último planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas devido à sua órbita excêntrica, durante algum tempo aproxima-se mais do Sol do que Neptuno. É um planeta singular em muitos aspectos: é o mais pequeno (cerca de 1/500 o diâmetro da Terra), tem uma composição muito rica em gelos, possui a órbita mais excêntrica e inclinada em relação à eclíptica, e tem, tal como Úrano, o seu eixo de rotação muito inclinado (122º) em relação à eclíptica.
à volta do Sol).

A observação de discos de acreção
disco de acreção
Disco composto por gás e poeira interestelares que pode circundar buracos negros, estrelas de neutrões, variáveis cataclísmicas, ou estrelas em formação.
em estrelas de massa elevada é difícil porque estas proto-estrelas são raras e evoluem rapidamente. A proto-estrela deste estudo foi descoberta com a rede de telescópios submilimétricos SMA (Smithsonian Institution/Academia Sinica), no Havai, que permite obter imagens directas da emissão de poeira em comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
submilimétricos, assim como detectar emissão de gás molecular excitado.

As observações revelaram gás molecular e poeira numa estrutura achatada à volta da proto-estrela HW2, localizada a mais de 2000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, na região de formação de estrelas de Cepheus A. Os dados também indicaram um desvio na velocidade devido à rotação, o que vem reforçar a interpretação de que a estrutura é de facto um disco gravitacionalmente ligado à proto-estrela. A existência do disco sugere um colapso gravitacional
colapso gravitacional
Processo pelo qual uma estrela ou outro objecto celeste implode por acção do seu prório campo gravítico, resultando num objecto que é muito menor e muito mais denso do que o objecto original. O colapso gravitacional é o processo pelo qual se formam estrelas e aglomerados de estrelas, a partir de nuvens interestelares de gás e poeira, galáxias, ou ainda buracos negros.
: o disco forma-se quando uma nuvem de gás contrai, entra em rotação e vai se tornando mais densa e compacta. O momento angular do material da nuvem em movimento de rotação força-o numa forma de disco.

Por sua vez, observações de HW2 em rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
mostraram um jacto bipolar de gás ionizado
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
, perpendicular ao disco, o que é frequentemente observado em proto-estrelas de pouca massa. Estes resultados vêm assim apoiar os modelos teóricos de formação de estrelas de massa elevada via acreção de disco.

O segundo trabalho diz respeito à descoberta de um disco circunstelar associado ao objecto de Becklin-Neugebauer (BN), uma conhecida proto-estela de 7 massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. Uma equipa de cientistas, liderada por Z. Jiang (Observatório da Montanha Púrpura, China) e que inclui astrónomos do Japão e do Reino Unido, utilizou o Telescópio Subaru
Subaru Telescope
O Telescópio Subaru é um telescópio óptico e de infravermelhos, com um espelho de 8,2 m de diâmetro. O Subaru encontra-se no Observatório de Mauna Kea, no Havai, e é operado pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão – NAOJ e pelo Instituto Nacional de Ciências Naturais.
com óptica adaptativa
óptica adaptativa
A técnica de óptica adaptativa é um sistema óptico que se instala nos telescópios terrestres por forma a corrigir, em tempo real, os efeitos da turbulência atmosférica.
para obter imagens de polarimetria no infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
.

As imagens de luz polarizada no comprimento de onda de 1,6 µm (banda H
banda H
A banda (ou filtro) H situa-se no domínio do infravermelho próximo, centrada no comprimento de onda de 1,66 mícrones e com uma largura de aproximadamente 0,3 mícrones.
) da região de formação do objecto BN mostram uma forma de borboleta à volta do objecto. Para compreender o que se passa, os astrónomos criaram um modelo computacional e um esquema da formação da estrela, de modo a poderem comparar a teoria com as observações. Os modelos mostraram que a forma de borboleta é o resultado da presença de um disco e uma estrutura perpendicular de fluxo de matéria a sair da estrela recém-formada.

A polarização – direcção de oscilação das ondas electromagnéticas – é uma característica importante da radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
. A luz solar, por exemplo, não tem uma direcção de oscilação preferencial, mas pode tornar-se polarizada pela atmosfera terrestre
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
, ou depois de reflectida por água. O mesmo se passa na região de formação de uma estrela. Segundo o modelo de formação de estrelas, a proto-estrela está envolvida por um invólucro de gás e poeira; dos seus pólos sai um fluxo de matéria que dá origem a duas cavidades no invólucro, opostas; perpendicular à direcção do fluxo, um disco circunda a estrela (ver figura em cima). A luz da proto-estrela ilumina a região à sua volta; a luz pode percorrer as cavidades e ser reflectida pelas paredes, mas esta luz torna-se altamente polarizada. Pelo contrário, o disco e o invólucro são relativamente opacos à radiação, o que reduz a polarização da luz vinda destas regiões. O resultado deste cenário é uma imagem de luz polarizada em forma de borboleta, como se pode ver na figura.

Fonte da notícia: http://subarutelescope.org/Pressrelease/2005/08/31/index.html