Objecto compacto misterioso produz radiação de alta energia

2005-07-14

Em cima: mapa do céu, em raios gama, na região de LS5039. A estrela verde mostra a localização de LS5039, tal como foi medida usando radiotelescópios. A pequena elipse branca mostra a localização dos raios gama. No canto superior esquerdo encontra-se outra fonte de raios gama descoberta pelo H.E.S.S., J1825-137. Crédito: H.E.S.S. Em baixo: ilustração de um microquasar como o LS5039. A estrela companheira do objecto compacto é uma estrela de grande massa que está a perder material da sua superfície; esse material é capturado pelo forte campo gravitacional do objecto compacto, num movimento espiral em direcção à superfície deste. Parte do material é ejectado, em dois jactos que viajam a 20% da velocidade da luz. Esta imagem foi criada utilizando software desenvolvido por Rob Hynes do LSU. Crédito: R. Hynes.
Num número recente da Science Magazine, um grupo internacional de astrofísicos do grupo High Energy Stereoscopic System (H.E.S.S.) anunciou a descoberta de um novo tipo de fonte de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
de alta energia – very high energy (VHE) gama rays.

Os raios gama são produzidos em aceleradores cósmicos de partículas extremos, tais como explosões de supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, e fornecem uma visão única dos processos de alta energia que ocorrem na Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. A astronomia dos raios gama VHE é ainda uma área de estudos recente e o H.E.S.S. está a conduzir as primeiras pesquisas sensíveis a este intervalo de energias, tentando encontrar fontes desconhecidas.

Julga-se que a fonte que está a produzir a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de energia tão elevada possa ser um microquasar. Estes objectos consistem em duas estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, orbitando-se mutuamente, sendo uma delas uma estrela vulgar, enquanto a outra já terá gasto todo o seu combustível nuclear, restando apenas um corpo compacto. Este objecto compacto, dependendo da massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
inicial da estrela que o produziu, pode ser uma estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
ou um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
, mas, em qualquer dos casos, possuirá uma forte atracção gravitacional e extrairá matéria ao seu companheiro. A matéria extraída entra num movimento espiral em direcção à estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
ou ao buraco negro, tal como acontece com a água que se escoa por um orifício circular.

Às vezes, o objecto compacto recebe mais matéria do que aquela que pode comportar e então ejecta-a para fora do sistema, num jacto de matéria que se move a velocidades próximas da velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
, resultando assim um microquasar. Na nossa Galáxia, apenas se sabe da existência de um pequeno número destes objectos e um deles, denominado LS5039, foi agora detectado pelo grupo do H.E.S.S..

Mas a verdadeira natureza de LS5039 é um mistério. Algumas características sugerem que se trata de uma estrela de neutrões, outras que se trata de um buraco negro e, para além disso, o jacto não é exactamente um jacto; embora se mova com uma velocidade que é 20% da velocidade da luz, o que pode parecer muito, no contexto deste tipo de objectos, é muito lento.

Nem sequer é clara a forma como os raios gama estão a ser produzidos. Tal como afirma Guillaume Dubus (Escola Politécnica de Paris), um dos cientistas da equipa, o objecto nem deveria ter sido detectado, pois os raios gama VHE que são emitidos perto da estrela companheira têm maior probabilidade de serem absorvidos, criando uma cascata de matéria/antimatéria
antimatéria
Designa-se por antimatéria a matéria constituída por antipartículas, tais como antiprotões, antineutrões e positrões. A maior parte do Universo observável é formado de matéria constituída por partículas e não de antimatéria.
, do que de se escaparem do sistema.

Segundo Paula Chadwick, da Universidade de Durham (Reino Unido), acaba de ser adicionada outra classe de objectos ao catálogo em crescimento das fontes de raios gama. O objecto é intrigante e serão necessárias mais observações para que se possa compreender do que se trata afinal.

Estes resultados foram obtidos utilizando telescópios do H.E.S.S., na Namíbia e África do Sul. Trata-se de um sistema de 4 telescópios, de 13 metros de diâmetro, que é o mais sensível detector de raios gama VHE existente. Esta radiação é um bilião de vezes mais energética que a luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
, e os raios gama deste tipo são raros, mesmo em fontes relativamente poderosas – apenas 1 raio gama por mês atinge 1 metro quadrado do topo da atmosfera terrestre
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
. Uma vez que são absorvidos pela atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
, a detecção directa de um número significativo destes raios requereria um satélite de dimensões enormes. No entanto, os telescópios H.E.S.S. empregam uma artimanha – usam a atmosfera como meio de detecção. Quando os raios gama são absorvidos pelo ar, emitem flashes de luz azul, chamada luz de Cherenkov, que duram apenas uma ínfima parte do segundo. Esta luz é recolhida pelos telescópios H.E.S.S. através de grandes espelhos e câmaras extremamente sensíveis, e pode ser usada para criar imagens de objectos astronómicos tal como eles surgiriam vistos em raios gama.

Os telescópios H.E.S.S. são ideais para descobrir novos objectos emissores de raios gama VHE. O seu campo de visão é muito vasto – 10 vezes o diâmetro da Lua
Lua
A Lua é o único satélite natural da Terra.
– o que significa que pode perscrutar o céu e descobrir outras fontes desconhecidas.

Fonte da notícia: http://www.mpi-hd.mpg.de/hfm/HESS/public/PressRelease/LS5039Press/