Uma estrela embrionária muito precoce

2005-05-19

Em cima: Imagem da região de formação estelar R Corona Australis, a cerca de 500 anos-luz da Terra, obtida, no infravermelho próximo, pelo telescópio de 88 polegadas da Universidade do Havai. São visíveis muitas proto-estrelas (a vermelho) e estrelas jovens (branco brilhante). Crédito: UH88 / Nedachi et al. Em baixo: Imagem mais aberta de R Corona Australis, em raios-X, obtida pelo telescópio XMM-Newton. As seis fontes azuis são proto-estrelas (a maior parte correspondendo aos pontos vermelhos da imagem de cima). À proto-estrela de Classe 0 estudada pela equipa foi dado o nome de IRS7B. Embora não seja obviamente visível na imagem de cima, esta proto-estrela estaria à esquerda da fonte brilhante central dessa imagem. IRS7B surge ainda em infravermelho na imagem ampliada. Credito: ESA/XMM/Subaru/UH88.
Algo de estranho se passa num berçário de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
próximo. Uma estrela embrionária está a emitir um brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
vigoroso de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
. Trata-se de uma proto-estrela precoce, exibindo um tipo de comportamento para o qual ainda é demasiado jovem.

De acordo com o que até agora se sabe, as novas estrela nascem quando uma nuvem de gás e poeira, do espaço interestelar, entra em colapso, sob o efeito da sua própria gravidade. Porém, o estranho comportamento manifestado por esta proto-estrela revela que alguma outra coisa, para além da gravidade, pode estar envolvida no processo.

Os cientistas têm aberto caminho através da poeira interstelar
poeira interestelar
A poeira interestelar é constituído por minúsculas partículas sólidas, com diâmetros da ordem dos mícrones, existentes no meio interestelar.
para capturarem a imagem mais detalhada dos primeiros momentos do gás em colapso, transformando-se numa estrela - algo análogo à primeira ecografia de um bebé. As observações, realizadas em primeira-mão com o telescópio XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), sugeriram que algum processo energético ainda não compreendido – provavelmente relacionado com campos magnéticos
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
– está a aquecer a superfície da região central da nuvem, acelerando o processo de formação estelar.

Esta observação assinala a primeira detecção clara de raios-X provenientes de uma estrela em nascimento, ainda fria. Trata-se de uma proto-estrela de Classe 0, localizada na região de formação de estrelas de R Corona Australis, a 500 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra. A Classe 0 é a classe mais jovem de objectos proto-estelares, representa o estágio entre 10000 a 100000 anos após o início do processo de formação estelar. A temperatura da nuvem é de -240º Celsius. Depois de alguns milhões de anos, a fusão nuclear
fusão nuclear
A fusão nuclear é o processo pelo qual as reacções nucleares entre núcleos atómicos leves formam núcleos atómicos mais pesados (até ao elemento ferro). No caso em que os núcleos pertencem a elementos com número atómico pequeno, este processo liberta grandes quantidades de energia. A energia libertada corresponde a uma perda de massa, de acordo com a famosa equação E=mc2 de Einstein. As estrelas geram a sua energia através da fusão nuclear.
tem início, no centro da nuvem em colapso, e forma-se uma nova estrela.

Esta proto-estrela é bem mais prematura no processo de formação estelar do que a maioria dos especialistas neste campo julgava possível. Como os raios-X se produzem no espaço em processos que libertam grandes quantidades de energia e calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
, foi uma surpresa detectá-los num objecto tão frio. A descoberta revela que a matéria está a cair sobre o núcleo da proto-estrela com uma velocidade 10 vezes superior à que seria de esperar considerando apenas o efeito da gravidade.

Dados adicionais foram obtidos pelo Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
), pelo telescópio japonês Subaru, no Havai, e ainda pelo telescópio de 88 polegadas
polegada (in)
A polegada (in) é uma unidade de comprimento do sistema inglês, equivalente a 2,54 cm.
da Universidade do Havai.

A equipa lança a possibilidade de o campo magnético, existente no núcleo em rotação da proto-estrela, poder acelerar a queda de matéria para velocidades muito grandes, produzindo, no processo, altas temperaturas - algumas regiões da nuvem de gás são aquecidas para 55 milhões de graus Celsius - e raios-X. Os raios-X conseguem penetrar na poeira revelando o núcleo.

Para que se possa perceber melhor o fenómeno de formação de raios-X nesta proto-estrela de Classe 0, à qual foi dado o nome de IRS7B, os cientistas comparam-no ao que acontece no Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. A superfície do Sol tem uma grande quantidade de arcos magnéticas, que às vezes se enrolam uns nos outros e libertam grandes quantidades de energia. Esta energia pode acelerar partículas com carga eléctrica (electrões
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
e átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
ionizados
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
) para velocidades superiores a 11 milhões de quilómetros por hora. As partículas são arremessadas contra a superfície do Sol levando à emissão de raios-X. De uma forma análoga, o emaranhamento dos campos magnéticos pode ser responsável pelos raios-X emitidos pela proto-estrela.

Esta descoberta fornece um elo crucial para o compreensão do processo de formação de estrelas, uma vez que os campos magnéticos parecem ter um papel crítico na moderação do colapso da nuvem estelar. Apenas as partículas electricamente carregadas respondem aos campos magnéticos. Os cientistas não têm a certeza de onde provêm os campos magnéticos e os iões
ião
Átomo ou molécula que perdeu ou ganhou um ou mais electrões.
. No entanto, os raios-X ionizam os átomos, criando mais iões para serem acelerados
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
pela actividade magnética que, por sua vez, criam mais raios-X.

A equipa utilizou o telescópio XMM – Newton pela sua capacidade de recolher luz, necessária para este tipo de observação, em que tão poucos raios-X conseguem penetrar a região de poeira. O poder resolvente do Chandra foi utilizado para determinar a posição da fonte. O Subaru foi utilizado para determinar a idade da proto-estrela. Esta pode ser obtida através de um mapa espectral, ou pelas características da luz infravermelha
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
, à medida que a proto-estrela evolui no decorrer de um milhão de anos.

A equipa responsável por este estudo, publicado no The Astrophysical Journal, é liderada pelo Dr. Kenji Hamaguchi, do Goddard Space Flight Center, em Greebelt, e inclui outros cientistas da mesma instituição, do Observatório de Astronomia de Palermo e da Universidade de Tóquio.

Fonte da notícia: http://www.nasa.gov/vision/universe/starsgalaxies/xmm_magnetic_starbirth.html