Primeira imagem de um planeta extra-solar

2005-05-03

Em cima: o primeiro planeta extra-solar a ser fotografado, 2M1207b, orbita uma anã castanha jovem, 2M1207A, a uma distância cerca de duas vezes a distância de Neptuno ao Sol. A imagem é a composição de três imagens no infravermelho (nas bandas H, K e L’) obtidas com o sistema de óptica adaptativa NACO, no telescópio Yepun do VLT (ESO). O planeta gigante é o pequeno objecto vermelho e a anã castanha, o azul. Em baixo: os gráficos mostram a posição de 2M1207b em relação a 2M1207A, em três datas diferentes. A linha azul mostra a alteração na posição prevista para o caso do objecto vermelho da imagem ser uma estrela de fundo. É claro que os dados indicam que os dois objectos se movem conjuntamente no céu, estando por isso ligados gravitacionalmente. Crédito: ESO.
Actualmente, estão em curso vários projectos que têm como finalidade a descoberta de planetas extra-solares
planeta extra-solar
Um planeta extra-solar é um planeta que não orbita o nosso Sol.
. Um dos objectivos que se pretende alcançar é fotografar um destes planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
, pois, até agora, só se consegue inferir a sua presença por métodos indirectos. A tecnologia actual não permite obter imagens de planetas como a Terra, ou mesmo de planetas gigantes como Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
, que orbitem estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
como o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. Por isso, a tentativa de fotografar planetas extra-solares ainda está confinada a planetas gigantes que orbitem estrelas muito mais jovens do que o Sol. Isto porque os planetas gigantes com poucas dezenas de milhões de anos de idade são muito mais quentes e brilhantes do que aqueles que já têm alguns milhares de milhões de anos.

No ano passado, uma equipa de astrónomos, liderada por G. Chauvin (ESO-Chile), anunciou ter obtido uma imagem de um planeta gigante extra-solar, que orbita 2M1207, uma anã castanha
anã castanha
A anã castanha é uma estrela falhada cuja massa é insuficiente para permitir a fusão nuclear do hidrogénio em hélio no seu centro. No início das suas vidas, as anãs castanhas têm a fusão de deutério no seu núcleo central. Mesmo depois de esgotarem o deutério, as anãs castanhas radiam por conversão de energia potencial gravítica em calor e, como tal, emitem fortemente no domínio do infravermelho. De acordo com modelos, a massa máxima que uma anã castanha pode ter é de 0,08 massas solares (ou 80 massas de Júpiter). Estes objectos representam o elo que falta entre as estrelas de pequena massa e os planetas gasosos gigantes como Júpiter.
jovem. 2M1207 pertence à associação TW Hydra, de 8 milhões de anos de idade.

A imagem, obtida em Abril de 2004 com o instrumento de óptica adaptativa
óptica adaptativa
A técnica de óptica adaptativa é um sistema óptico que se instala nos telescópios terrestres por forma a corrigir, em tempo real, os efeitos da turbulência atmosférica.
NACO, montado no telescópio de 8,2 m Yepun, do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
), permitiu aos astrónomos detectarem um pequeno objecto de luz avermelhada, de muito pouco brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
, próximo de 2M1207. Este companheiro, agora designado por 2M1207b, é mais de 100 vezes menos brilhante do que a anã castanha, agora designada por 2M1207A. O espectro de 2M1207b apresenta fortes sinais de moléculas
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
de água. Modelos evolutivos, baseados nas cores infravermelhas
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
e nos dados espectrais de 2M1207b, levaram os astrónomos a concluir que a sua massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
é 5 vezes a massa de Júpiter. Outra técnica utilizada para estimar a massa de 2M1207b, baseada na força do seu campo gravítico, sugere que a sua massa pode ser inferior a 5 massas de Júpiter.

A análise dos dados de fotometria e de espectroscopia de Abril de 2004 indicavam fortemente que se tratava de um objecto planetário próximo da anã castanha. Mas apesar de ser pouco provável a explicação alternativa, que se tratava de um objecto do campo de fundo não relacionado com a jovem anã castanha, os astrónomos quiseram ter a certeza sobre a natureza do objecto.

Observações com o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), realizadas em Agosto de 2004, corroboraram as observações do NACO/VLT de Abril. Contudo, as observações só tinham dois meses de intervalo, o que era pouco para conferir uma resposta definitiva.

Finalmente, em Fevereiro e Março de 2005, a mesma equipa de astrónomos utilizou novamente o NACO no telescópio Yepun, e mediu o movimento aparente da anã castanha no céu. Para as três datas diferentes – Abril de 2004, Fevereiro de 2005 e Março de 2005 – eles determinaram com precisão a posição do objecto pouco brilhante relativamente à anã castanha.

A análise destas observações mostraram, com grande precisão, que não há alteração da posição relativa entre os dois objectos. Isto é exactamente o que se espera na escala de um ano se 2M1207b estiver gravitacionalmente ligado a 2M1207A. Se o período de tempo for maior, espera-se observar os dois objectos a orbitarem um o outro.

Os astrónomos consideram que provaram sem ambiguidades que 2M1207b é um planeta gigante que orbita a anã castanha a uma distância quase duas vezes a distância entre Neptuno
Neptuno
Neptuno é, a maior parte do tempo, o oitavo planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas por vezes é o nono, quando Plutão, na sua órbita excêntrica, se aproxima mais do Sol. Neptuno, de cor azulada devido à presença de metano na sua atmosfera, possui uma atmosfera onde ocorrem tempestades e ventos violentos. Com um diâmetro cerca de 4 vezes o da Terra, Neptuno é o menor e mais longíquo dos planetas gigantes gasosos.
e o Sol. Dadas as características do sistema, é provável que o planeta gigante não se tenha formado como os planetas do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
. Ao invés, o planeta 2M1207b ter-se-á formado da mesma forma que as estrelas se formam, pelo colapso gravitacional
colapso gravitacional
Processo pelo qual uma estrela ou outro objecto celeste implode por acção do seu prório campo gravítico, resultando num objecto que é muito menor e muito mais denso do que o objecto original. O colapso gravitacional é o processo pelo qual se formam estrelas e aglomerados de estrelas, a partir de nuvens interestelares de gás e poeira, galáxias, ou ainda buracos negros.
de uma nuvem de gás e poeira.

Confirmou-se, assim, que a imagem da descoberta de 2M1207b, obtida em Abril de 2004, é de facto a primeira imagem de um planeta extra-solar. A equipa, constituída por G. Chauvin e C. Dumas (ESO-Chile), A. Lagrange e J. Beuzit (LAOG, Grenoble, França), B. Zuckerman e I. Song (UCLA, Los Angeles, EUA), D. Mouillet (LAOMP, Tarbes, França) e P. Lowrance (IPAC, Pasadena, EUA), descreve este estudo num artigo que será publicado na revista Astronomy and Astrophysics brevemente.

No âmbito do mesmo projecto, os astrónomos também descobriram uma companheira da jovem estrela AB Pictoris, pertencente à associação Tucano-Relógio, de 30 milhões de anos de idade, que se encontra a 150 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de nós. A luminosidade
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
no infravermelho e o espectro desta companheira, fotografada pela primeira vez em Março de 2003, sugerem tratar-se de um objecto frio, de pouca massa.

Utilizando a mesma estratégia que aplicaram a 2M1207b, os astrónomos observaram o sistema AB Pic em datas diferentes ao longo de um ano e meio e confirmaram que não se tratava de um objecto do campo de fundo. Modelos evolutivos apontam para que o objecto tenha um massa entre 13 e 14 Júpiteres, e uma temperatura perto dos 1700 kelvin
kelvin (K)
O kelvin (K) é a unidade fundamental SI de temperatura termodinâmica e é equivalente a 1/273,16 da temperatura termodinâmica do ponto triplo da água.
. Como o valor actualmente aceite para a separação entre um planeta e uma anã castanha é de 13,6 massas de Júpiter, a companheira de AB Pic está precisamente nessa fronteira entre as duas classes – o que a torna um objecto extremamente interessante. Também a sua localização, a uma distância próxima de nove vezes a distância de Neptuno ao Sol, faz desta companheira um caso extraordinário.

Recentemente, um grupo de astrónomos alemães apresentou uma imagem, também obtida pelo VLT/NACO, de uma companheira de GQ Lup, uma estrela com um milhão de anos. Contudo, a natureza desta companheira ainda não é clara – a incerteza na determinação da sua massa (entre 1 e 42 massas de Júpiter) não permite decidir se é um planeta ou uma anã castanha.

As descobertas de 2M1207, AB Pic b e GQLup b/B são indicativas de que os projectos em curso para a detecção de planetas extra-solares começaram a dar fruto. Sem dúvida, mais serão descobertos em breve, e o estudo de um número crescente de planetas extra-solares alargará o nosso conhecimento sobre a formação e a evolução destes sistemas.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2005/pr-12-05-p2.html