Estrela velha ganha novo fôlego

2005-04-14

Imagem do Objecto de Sakurai, no rádio e no óptico. A imagem a cores mostra a nebulosa ejectada há milhares de anos. Os contornos indicam a emissão rádio. O detalhe, à direita, é uma imagem da parte central da região, obtida pelo Telescópio Espacial Hubble (NASA/ESA), e sobre a qual se desenharam os contornos indicando a emissão rádio. Crédito: Hajduk et al., NRAO.AUI/NSF, ESO, StSci, NASA.
V4334 Sgr, na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Sagitário, é conhecida por “Objecto de Sakurai”, por ter sido descoberta pelo astrónomo amador Y. Sakurai a 20 de Fevereiro de 1996, quando subitamente aumentou drasticamente o seu brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
. O fenómeno levou os astrónomos a pensarem que se tratava de uma explosão de nova, mas os estudos posteriores mostraram que o Objecto de Sakurai era algo diferente. Uma equipa de astrónomos, liderada por A. Zijlstra (Universidade de Manchester, Reino Unido), publicou recentemente na revista científica Science um estudo sobre esta estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
e que faz repensar o que se sabe actualmente sobre física estelar.

V4334 Sgr é uma anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
, ou seja, é o núcleo remanescente de uma estrela velha, que já queimou hidrogénio e hélio, e ejectou uma nebulosa planetária
nebulosa planetária
As nebulosas planetárias são nebulosas formadas por camadas de gás expelido por estrelas de pequena massa, que terminaram a sua fase de estrela gigante vermelha e se encontram no fim da sua vida. No centro da nebulosa planetária, a estrela transforma-se numa anã branca quente e é a radiação que emite que faz a nebulosa brilhar. As nebulosas planetárias não têm nada a ver com planetas, mas obtiveram o seu nome porque quando observadas através de um pequeno telescópio, se assemelham a um disco de um planeta.
. Os astrónomos acreditam que as estrelas, nesta fase da sua vida, podem ainda reiniciar alguma fusão nuclear
fusão nuclear
A fusão nuclear é o processo pelo qual as reacções nucleares entre núcleos atómicos leves formam núcleos atómicos mais pesados (até ao elemento ferro). No caso em que os núcleos pertencem a elementos com número atómico pequeno, este processo liberta grandes quantidades de energia. A energia libertada corresponde a uma perda de massa, de acordo com a famosa equação E=mc2 de Einstein. As estrelas geram a sua energia através da fusão nuclear.
. A estrutura da estrela é de um núcleo central constituído por elementos pesados (essencialmente carbono e oxigénio), uma camada de hélio à volta do núcleo e uma camada mais externa, constituída essencialmente por hidrogénio. Através da convecção, o hidrogénio mais externo pode mergulhar na camada de hélio, provocando uma nova fase de combustão do hélio
combustão de hélio
Designa-se por combustão de hélio o processo de fusão nuclear de núcleos de hélio para formar núcleos de átomos mais pesados. O termo "combustão" é, neste contexto, um abuso de linguagem introduzido pelos astrónomos profissionais. A fusão do hélio requer temperaturas muito elevadas e produz, essencialmente, carbono e oxigénio.
na camada à volta do núcleo. A convecção é também responsável por levar o carbono produzido pela combustão do hélio, para o exterior.

Este último fôlego das estrelas é acompanhado por um aumento considerável do seu brilho. Observações realizadas em 1670 e 1918 levam a crer que se tratava deste fenómeno. Contudo, o Objecto de Sakurai é o primeiro destes objectos a ser observado nos tempos modernos.

As simulações computacionais desta reactivação das anãs brancas sugerem uma sequência de eventos observáveis que deveriam ocorrer ao longo de um século. Surpreendentemente, as observações realizadas com o radiotelescópio VLA
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
) revelaram que o Objecto de Sakurai passou pelas primeiras fases em apenas alguns anos - quase cem vezes mais depressa do que se previa! Os modelos tiveram de ser revistos e os novos cálculos têm de prever que o rápido aquecimento da estrela, que começa a ionizar o gás que a rodeia.

A reiniciação da fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
nuclear é um processo importante. As observações mostram que o Objecto de Sakurai ejectou grandes quantidades de carbono para o espaço, tanto sob a forma de gás, como de grãos de poeira. Este carbono passa a fazer parte da matéria interstelar, a partir da qual novas estrelas se formarão – os grãos de poeira de carbono podem ser incorporados em novos planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
. Alguns grãos de carbono encontrados num meteorito
meteorito
Um meteorito é um corpo sólido que entra na atmosfera da Terra (ou de outro planeta), sendo suficientemente grande para não ser totalmente destruído pela fricção com as partículas da atmosfera, e assim atingir o solo. Os meteoritos dividem-se em três categorias, segundo a sua composição: aerolitos (rochosos), sideritos (ferro) e siderolitos (ferro e rochas).
mostram que as proporções isotópicas são idênticas às encontradas para o Objecto de Sakurai, o que levanta a hipótese de que resultou de um evento deste tipo. Talvez a reactivação das anãs brancas tenham um papel mais importante como fonte de carbono cósmico do que até agora se julgava.

Os astrónomos continuarão a observar V4334 Sgr para tirar partido desta oportunidade única para aprenderem mais sobre este processo. Novas observações com o VLA já estão programadas para este mês. Os novos modelos prevêem que a estrela aquecerá muito rapidamente e depois arrefecerá lentamente, até alcançar a sua temperatura actual por volta do ano de 2200. Os modelos prevêem também mais um episódio de reactivação antes da estrela iniciar o seu arrefecimento final.

Fonte da notícia: http://www.nrao.edu/pr/2005/sakurai/