Explosão a 50000 anos-luz afecta a Terra!

2005-03-11

Em cima: concepção artística da fulguração de raios gama de 27 de Dezembro, expandindo-se a partir de SGR 1806-20, com impacto na atmosfera terrestre. Crédito: NASA. Em baixo: outra visão artística de SGR 1806-20, incluindo a estrutura dos campos magnéticos. Depois de um flash inicial, pulsações mais pequenas registadas nos dados sugerem a existência de pontos quentes na superfície do magnetar em rotação. Os dados também mostram que não houve alteração na rotação do magnetar, depois do flash inicial. Crédito: NASA.
A 27 de Dezembro de 2004, foi detectada uma fulguração de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
, proveniente de uma região da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
localizada na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
de Sagitário, com uma intensidade que conseguiu ultrapassar, durante breves instantes, o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
da lua cheia
Lua Cheia
Lua Cheia é a fase da Lua quando esta se encontra em oposição relativamente ao Sol; quando observada a partir da Terra, a Lua exibe toda a sua superfície iluminada.
. A fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
era proveniente de uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
, isolada e de tipo pouco comum, situada a uma distância de 50000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, mas, mesmo assim, capaz de desestabilizar a ionosfera
ionosfera
A ionosfera é a camada da atmosfera terrestre situada imediatamente acima da estratosfera. Estende-se dos 80 até aos 500 km acima da superfície terrestre, onde o oxigénio e o azoto são ionizados pela luz solar, dando origem a electrões livres.
da Terra. Se o fenómeno se tivesse dado a uma distância de 10 anos-luz, a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
teria destruído a maior parte da camada de ozono
camada de ozono
A camada de ozono é uma camada com cerca de 20 km, que se situa na parte inferior da estratosfera terrestre (entre os 10 e os 50 km acima da superfície), e caracteriza-se por uma grande concentração de ozono (a molécula O3). Em circunstâncias normais, a camada de ozono é mais espessa nos pólos do que no equador, e mais espessa no Inverno do que na Primavera. É a camada responsável pela absorção de radiação ultravioleta.
que protege o nosso planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
, causando a extinção de várias espécies.

Os astrónomos responsáveis pela análise do evento tiveram a sorte de assistir a um acontecimento raro, que dificilmente poderá vir a repetir-se durante as suas vidas. Com efeito, durante os últimos 35 anos, apenas foram registadas duas outras fulgurações muito intensas, mas a de Dezembro passado foi uma centena de vezes mais poderosa!

O telescópio Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) e o VLA
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
) foram dois dos muitos observatórios que registaram o resultado desta explosão, ocorrida na estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
SGR 1806-20. Esta estrela de tipo raro é um magnetar
magnetar
Um magnetar é uma estrela de neutrões com um campo magnético extremamente intenso gerado pela rotação da estrela sobre si própria, cuja velocidade angular é da ordem de mil rotações por segundo.
, possuindo por isso um campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
ultra poderoso. Entre as muitas estrelas de neutrões da Via Láctea, apenas se conhecem cerca de 10 deste tipo.

O campo magnético deste magnetar foi capaz de gerar a fulguração de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
observada, através de um processo violento de reconexão magnética
reconexão magnética
A reconexão magnética é um processo físico fundamental que ocorre em plasmas magnetizados em torno da Terra, do Sol e das outras estrelas, e ainda em reactores de fusão. Este processo modifica a topologia dos campos magnéticos através do rompimento e da reconexão das linhas de força. Ao fazê-lo, a energia magnética pode ser convertida noutros tipos de energia, como por exemplo energia cinética, calor, ou luz.
, capaz de libertar grandes quantidades de energia - um processo semelhante ao que dá origem às fulgurações solares, embora este último ocorra a uma escala muito menor.

As observações do VLA e de outros três telescópios permitiram detectar material ejectado pela fulguração, deslocando-se a uma velocidade de 3/10 da velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
. A estrutura deste material foi analisada em detalhe e as suas alterações diárias foram seguidas atentamente - esta oportunidade para estudar pormenorizadamente uma fulguração deste tipo não tem precedentes.

A equipa responsável pela investigação é constituída por cientistas do Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica e é liderada por Bryan Gaensler.

Fonte da notícia: http://www.cfa.harvard.edu/press/pr0506.html