Chandra localiza matéria em falta

2005-02-23

Em cima: Ilustração da absorção dos raios-X, emitidos pelo quasar Mkn 421, por duas nuvens intergalácticas de gás quente difuso. Em baixo: gráfico do espectro de raios-X do quasar, com as depressões correspondendo às zonas de absorção; nas zonas a laranja, a absorção é feita por nuvens de gás próximas; na zona a verde e na zona a vermelho, a absorção é feita por nuvens à distância de 150 milhões de anos-luz e 370 milhões de anos-luz, respectivamente. Estas nuvens distantes fazem, provavelmente, parte de um sistema de nuvens de gás quente difusas, que constitui uma rede cósmica, a partir da qual se julga que as galáxias e enxames se terão formado. Crédito: NASA/SAO/CXC/F.Nicastro et al. (espectro); CXC/M.Weiss (illustração).
Os astrónomos têm efectuado várias medidas que permitem obter uma boa estimativa da densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
dos bariões
barião
O barião é uma partícula constituída por três quarks. Os protões e os neutrões são bariões. Tal como os mesões, os bariões são um subconjunto dos hadrões, ou seja, das partículas sujeitas à interacção nuclear forte.
que existiam no Universo há 10 mil milhões de anos. Contudo, em algum momento, desde esse período para cá, uma grande parte dos bariões, aos quais se costuma dar o nome de "matéria vulgar" para se distinguirem da matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
, terá desaparecido. O inventário de todos os bariões existentes, em estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
e no gás que se encontra dentro e fora das galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
, chega a um valor que representa apenas cerca de metade dos bariões que havia pouco depois do Big Bang.

Uma equipa, liderada por Fabrizio Nicastro, do Centro Harvard Smithsonian para Astrofísica, foi à procura dos bariões em falta e conseguiu encontrar o local onde eles provavelmente estarão escondidos. Foram feitas simulações, por computador, para a formação das galáxias e dos enxames de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
, e elas indicaram que os bariões poderão estar contidos num sistema, extremamente difuso, de nuvens de gás, que constitui uma rede cósmica a partir da qual as galáxias e os enxames se formam.

Devido ao grande intervalo de temperaturas previsto para estas nuvens – de poucas centenas de milhar a milhões de graus Celsius – e também à sua densidade extremamente baixa, elas foram difíceis de descobrir. Detectaram-se sinais desta matéria intergaláctica, à qual se deu o nome de «matéria intergaláctica morna-quente» (do inglês Warm-Hot Intergalactic Matter – WHIM), em torno da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
e também no Grupo Local
Grupo Local de galáxias
O Grupo Local de galáxias é o enxame de galáxias a que a Via Láctea pertence. É um enxame pequeno, constituído por duas galáxias espirais grandes - Andrómeda e a Via Láctea - e por mais de quarenta pequenas galáxias, muitas só descobertas recentemente.
. Todavia, a ausência de sinais de WHIM fora da nossa vizinhança cósmica imediata tornou pouco credíveis quaisquer estimativas da densidade de massa universal de bariões.

A descoberta de nuvens mais distantes surgiu quando a equipa observava o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
do quasar
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
Mkn 421, que começou em Outubro de 2002. Duas observações, realizadas pelo Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
), uma em Outubro de 2002 e outra em Julho de 2003, forneceram dados espectrais de excelente qualidade. Estes dados mostraram duas nuvens separadas de gás quente, uma delas à distância de 150 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra e a outra de 370 milhões, que estavam a filtrar ou a absorver raios-X do Mkn 421.

Os dados de raios-X mostraram a presença de iões
ião
Átomo ou molécula que perdeu ou ganhou um ou mais electrões.
de carbono, azoto, oxigénio e néon, bem como que a temperatura das nuvens era de cerca de 1 milhão de graus Celsius. Combinando estes dados com observações em ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
, a equipa pôde estimar a espessura das nuvens (cerca de 2 milhões de anos-luz), bem como a sua densidade de massa. Assumindo que o tamanho e a distribuição das nuvens são representativos, foi possível fazer a primeira estimativa credível para a densidade de massa dos bariões existentes em nuvens deste tipo no Universo. O resultado obtido foi compatível com a densidade de massa dos bariões em falta.

Os resultados desta investigação foram publicados na revista Nature, a 3 de Fevereiro de 2005.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/05_releases/press_020205.html