Telescópio Integral revela historial do buraco negro central da Via Láctea

2005-02-09

A imagem, em cor falsa, mostra a região próxima do centro da Via Láctea, vista em raios gama pelo INTEGRAL. As posições do gigantesco buraco negro Sgr A* e do gás molecular Sgr B2 estão indicadas. A distância entre Sgr A* e Sgr B2 é aproximadamente 350 anos-luz. Só agora é que Sgr B2 está a ser exposto à poderosa radiação gama emitida por Sgr A*, há 350 anos, durante uma das suas fases mais activas. A radiação é absorvida e depois novamente emitida pela nuvem de hidrogénio molecular, que se torna fluorescente em raios gama. Os restantes objectos brilhantes existentes na imagem, do lado direito, são fontes conhecidas de emissão de raios gama. Crédito: ESA, M. Revnivtsev (IKI/MPA).
A maior parte das galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
contêm no seu centro um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
poderosíssimo, de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
tão elevada que pode exceder 1 milhão de vezes, ou mesmo 1 milhar de milhões de vezes a massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. A nossa galáxia, a Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, não é excepção. Existe um gigantesco buraco negro na sua região central, ao qual os astrónomos chamam Sgr A*, devido à sua posição na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
de Sagitário. Não obstante a sua massa elevadíssima, Sgr A* mostra-se hoje em dia como um buraco negro sossegado e inofensivo.

No entanto, uma investigação recente, realizada utilizando o Observatório de Raios Gama INTEGRAL
INTErnational Gamma-Ray Astrophysics Laboratory (INTEGRAL)
O INTEGRAL é um observatório espacial de raios gama da ESA, com cooperação da Rússia e dos Estados Unidos da América, lançado em Outubro de 2002. Esta missão é especialmente dedicada à espectroscopia e obtenção de imagens de alta resolução de fontes de raios gama dentro do intervalo de energia dos 15 keV aos 10 MeV, com monitorização simultânea em raios-X (4-35 keV) e no óptico (banda V, centrada nos 550 nm). Entre outros sucessos, o INTEGRAL já efectou medições espectrais de fontes raios gama, detectou fulgurações de raios gama e mapeou o plano galáctico.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), revelou que, no passado, Sgr A* foi muito mais activo. Os dados recolhidos mostram com clareza que o buraco negro interagiu de forma violenta com a sua vizinhança, libertando uma quantidade de energia cerca de 1 milhão de vezes superior à que liberta agora.

Há cerca de 350 anos, a região em torno de Sgr A* foi invadida por raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
. Esta radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
foi uma consequência directa da actividade do buraco negro. Este terá capturado, devido à sua elevada massa, grandes quantidades de gás e de matéria; o material foi comprimido e aquecido, até começar a emitir raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
e raios gama, imediatamente antes de desaparecer no horizonte de eventos - linha a partir da qual nem a luz pode escapar do buraco negro.

A equipa internacional responsável por este estudo (investigadores do Instituto de Pesquisa Espacial, em Moscovo, e do Instituto Max Planck para a Astrofísica, em Garching, liderados pelo Dr. Mikhail Revnivtsev) foi capaz de desvendar o historial de Sgr A*, graças a uma nuvem de hidrogénio molecular, denominada Sgr B2, que está localizada a, precisamente, 350 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
do buraco negro central da Galáxia. Esta nuvem consegue mostrar-nos em directo como foi o passado agitado de Sgr A*.

Com efeito, devido à distância que a separa do buraco negro, a nuvem Sgr B2 só agora começou a estar exposta à radiação gama que ele emitiu há 350 anos, isto é, durante um dos seus estados de grande actividade. A poderosa radiação é absorvida pelo gás de Sgr B2, que a volta a emitir, tal como um espelho natural de radiação. O flash foi de tal forma poderoso que a nuvem de gás se tornou fluorescente em raios-X e pôde ser observada por telescópios sensíveis a estas frequências
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
mesmo antes das observações realizadas pelo INTEGRAL. Mas foi o INTEGRAL que conseguiu mostrar o processo de reflexão da energia pela nuvem de gás, permitindo aos cientistas reconstruir pela primeira vez o passado de Sgr A*.

A forte actividade dos buracos negros está relacionada com a sua forma de crescimento. Os buracos negros de massa mais elevada não nascem grandes, mas crescem ao longo do tempo, sugando, graças à sua tremenda força gravitacional, o gás e a matéria que os rodeiam. Quando a matéria é engolida surgem fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios-X e de raios gama, que são mais intensas quanto mais voraz for o buraco negro.

A nova descoberta do INTEGRAL resolve o mistério da emissão dos buracos negros de massa elevada mas pouco activos, tais como o Sgr A*. Os cientistas pensam que os buracos negros deste tipo são numerosos no Universo, mas até agora não tinham conseguido perceber a quantidade nem o tipo da energia que eles podem emitir. Quanto à duração da fase activa, existem evidências de que possa ter durado uns dez anos ou provavelmente mais.

A equipa espera que Sgr A* volte a ser brilhante num futuro próximo. É importante detectar a próxima fulguração, para obter a informação necessária para estimar o ciclo dos picos de actividade dos buracos negros deste tipo.

Fonte da notícia: http://www.esa.int/SPECIALS/Integral/SEMSKPO3E4E_0.html