VLTI observa a região interior de discos protoplanetários

2004-12-13

Em cima: espectro infravermelho da região mais interior do disco protoplanetário da estrela HD 142527, obtido com o VLTI. Seguem-se espectros infravermelhos, obtidos em laboratório, de minerais cristalinos (olivina e piroxena), um espectro de uma partícula do meio interplanetário, rica em silicatos hidratados, e, por fim, o espectro de grãos do meio interstelar. As assinaturas espectrais da olivina e piroxena cristalizadas (os picos a 9,2 e 11,3 µm) são evidentes no espectro da região interior do disco. Por outro lado, não há contribuição significativa de silicatos hidratados, indicando que a região interior é composta por poeira primária e não secundária. Em baixo: imagem esquemática do disco circum-estelar e os espectros infravermelhos observados nas regiões mais interiores e mais exteriores dos discos de três estrelas jovens. Em todos eles há claras diferenças entre as regiões interiores e as regiões exteriores, indicativas de diferenças em mineralogia. O alargamento espectral nas regiões mais internas dos discos é sinal de grãos maiores e o pico no comprimento de onda dos 11,3 µm indica a presença de cristais de silicatos. Também se mostra, a vermelho, os espectros teóricos que melhor se adaptam às observações, baseados em misturas das espécies minerais mencionadas. Crédito: ESO.
O Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
nasceu há cerca de 4500 milhões de anos, a partir de uma nuvem fria de gás e poeira interestelar
poeira interestelar
A poeira interestelar é constituído por minúsculas partículas sólidas, com diâmetros da ordem dos mícrones, existentes no meio interestelar.
que entrou em colapso devido à sua própria gravidade. Um disco de poeira formou-se à volta da jovem estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, a partir do qual a Terra e os outros planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
, assim como os cometas
cometa
Os cometas são pequenos corpos irregulares, compostos por gelos (de água e outros) e poeiras. Os cometas têm órbitas de grande excentricidade à volta do Sol. As estruturas mais importantes dos cometas são o núcleo, a cabeleira e as caudas.
e os asteróides
asteróide
Um asteróide é um pequeno corpo rochoso que orbita em torno do Sol, com uma dimensão que pode ir desde os 100 m até aos 1000 km. A maioria dos asteróides encontra-se entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Também são designados por planetas menores.
, se formaram mais tarde.

Este mesmo processo pode ser observado noutras estrelas jovens. Para isso, detecta-se a emissão infravermelha
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
proveniente das jovens estrelas e dos discos protoplanetários que as circundam. Contudo, até agora, a instrumentação disponível não permitia estudar a distribuição dos diferentes componentes da poeira destes discos, pois não tinha a capacidade de separar regiões distintas nos discos.

Pela primeira vez, observações com o VLTI (ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
) permitiram espreitar directamente as regiões mais interiores dos discos de poeira à volta de estrelas jovens nossas vizinhas, até ao local onde se espera que planetas como a Terra se estão a formar, ou virão a formar-se.

As observações, realizadas por uma equipa liderada por R. van Boekel (Universidade de Amsterdão, Holanda), combinaram a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
capturada por dois telescópios de 8,2 m do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
, separados por cem metros, e alcançaram uma resolução de 0,02 segundos de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
. A emissão infravermelha da região mais interior e mais exterior dos discos de poeira à volta de três estrelas jovens foi detectada separadamente. Os espectros correspondentes providenciaram informação crucial sobre a composição química da poeira dos discos e o tamanho médio dos grãos.

Sabe-se que a maioria dos discos de poeira à volta das estrelas recém-formadas é composta por silicatos. Na nuvem molecular
nuvem molecular
As nuvens moleculares são nebulosas constituídas predominantemente por hidrogénio molecular.
onde se formam as estrelas, esta poeira encontra-se no estado amorfo, ou seja, os átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
e as moléculas
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
estão ligados de forma caótica e os grãos são pequenos, tipicamente com 0,0001 mm de diâmetro. Contudo, perto da jovem estrela, onde a temperatura e a densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
são mais elevadas, a poeira no disco circum-estelar tende a agrupar-se e os grãos vão aumentando de tamanho. Como a poeira é aquecida pela radiação da estrela, as moléculas vão reagrupando-se em padrões geométricos, formando cristais.

Assim, a poeira do disco nas regiões mais próximas da estrela transforma-se dum estado primitivo, de pequenos grãos amorfos, num estado processado, de grãos maiores e cristalinos. As observações de espectros no infravermelho permitem distinguir se a poeira é primitiva ou processada. Até agora, as observações mostravam uma mistura de material primitivo e processado, não sendo possível dizer onde residem uns e outros.

As observações realizadas com o VLTI são as primeiras a obter espectros de alta resolução de diferentes regiões dos discos protoplanetários. Em duas estrelas - HD 144432 e HD 163296 - a poeira na região mais interior do disco está bastante processada, enquanto que na região mais externa, encontra-se ainda num estado quase primitivo. Na outra estrela, HD142527, a poeira está processada em todo o disco; na região central deste disco, está extremamente processada, o que é consistente com uma poeira completamente cristalina.

Uma importante conclusão é que os silicatos cristalizados, necessários para a formação dos planetas rochosos (como a Terra) estão presentes no disco circum-estelar desde muito cedo na história do sistema estelar. Pode-se então inferir que a presença de planetas rochosos é provavelmente comum em sistemas planetários extra-solares.

Estas observações têm ainda implicações no nosso conhecimento sobre cometas. Pelo menos alguns cometas do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
contêm poeira primitiva e poeira processada. Se os cometas se formaram na região mais exterior do Sistema Solar, onde a temperatura sempre foi bastante baixa, então como se processou a poeira que os cometas contêm?

As observações do VLTI vêm apoiar a teoria segundo a qual a poeira processada foi transportada para as regiões mais exteriores do disco através da turbulência no denso disco circum-estelar. Esta teoria implica que os cometas de longo período
cometa de longo período
Designam-se por cometas de longo período aqueles que possuem períodos orbitais superiores a 200 anos.
, que por vezes nos visitam vindos dos confins do nosso Sistema Solar, são objectos primitivos, do tempo em que a Terra e os outros planetas ainda não se tinham formado. O seu estudo providenciará um acesso directo à matéria original a partir da qual o Sistema Solar se formou.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2004/pr-27-04.html