O mistério do Universo primitivo poeirento

2005-01-11

Imagem do remanescente de supernova Cassiopeia A obtida por uma equipa de astrónomos da Universidade do Arizona (EUA) com o telescópio espacial Spitzer (NASA). A imagem foi obtida com o detector Multiband Imaging Photometer (MIPS) em Novembro de 2003, na banda do infravermelho intermédio a 24 mícrones. Crédito: NASA/JPL/D.Hines, University of Arizona.
Nos últimos anos, os astrónomos têm vindo a observar grandes quantidades de poeira interestelar
poeira interestelar
A poeira interestelar é constituído por minúsculas partículas sólidas, com diâmetros da ordem dos mícrones, existentes no meio interestelar.
nas proximidades dos quasares
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
mais distantes, numa altura em que o Universo era muito jovem, decorridos cerca de 700 milhões de anos desde o Big Bang.

Isto levanta uma questão extremamente importante que é a de saber como foi possível que tal poeira tenha sido produzida tão cedo. Os astrónomos conhecem essencialmente dois processos pelos quais se pode formar poeira interestelar. Por um lado, sabemos que as estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
do tipo solar, quando moribundas, produzem poeira, e por outro, sabemos, através de observações no domínio do infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
realizadas a partir do espaço, que as explosões de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
também produzem poeira interestelar. Enquanto que o primeiro processo ocorre em escalas de tempo de milhares de milhões de anos (por ser este o tempo de vida de uma estrela do tipo solar), o segundo processo ocorre em apenas 10 milhões de anos! O problema é que este tipo de explosões produz enormes quantidades de poeira quente, mas muito pouca poeira fria. Ora, é a poeira fria que tem vindo precisamente a ser detectada no Universo jovem. Portanto, o mistério continua.

Quando os astrónomos descobriram que tinham detectado emissão submilimétrica de enormes quantidades de poeira fria no remanescente de supernova Cassiopeia A (Cas A) no ano passado, alguns deram o mistério por resolvido e concluíram que é provável que as supernovas Tipo II, como Cas A, tenham produzido a poeira interestelar quando o Universo era ainda muito jovem.

Cas A é o mais jovem dos remanescentes de supernova conhecidos até à data e situa-se na Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, a cerca de 11 000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância, por detrás das nuvens moleculares
nuvem molecular
As nuvens moleculares são nebulosas constituídas predominantemente por hidrogénio molecular.
que se encontram a 9 800 anos-luz, no braço espiral
braço espiral
Um braço espiral de uma galáxia é uma estrutura curva no disco de uma galáxia espiral (ou, em alguns casos, de uma galáxia irregular), constituída por estrelas jovens, aglomerados de estrelas, nebulosas, gás e poeiras.
do Perseu. É pois possível que, aquando da explosão de Cas A, no ano de 1680, o complexo de nuvens moleculares do Perseu tenham impedido que a luz produzida na explosão fosse registada na Terra. É que, de outra forma, à distância a que se encontra Cas A, uma tal explosão deveria ter sido o objecto estelar mais brilhante do céu nocturno na altura!

Ora, uma equipa de investigadores liderada pela Universidade do Arizona (EUA) descobriu que a emissão submilimétrica não provém do remanescente de supernova Cas A propriamente dito, mas do complexo de nuvens moleculares do braço espiral do Perseu que se sabe existir na mesma linha de visão, mas que se situa entre a Terra e Cas A!

De facto, foram obtidas imagens de Cas A a 160 mícrones
mícron (µm)
O mícron (µm), ou micrómetro, é uma unidade de comprimento que corresponde à milésima parte do milímetro: 1µm = 10-3mm = 10-6 m.
usando o telescópio espacial Spitzer
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
). Estes comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
são os mais adequados para detectar a emissão da poeira interestelar fria. Estes dados foram depois comparados com mapas do gás interestelar
gás interestelar
O gás interestelar é constituído pelos átomos, moléculas e iões de elementos, ou substâncias, gasosas presentes no meio interestelar.
na direcção de Cas A, gerados a partir de observações realizadas no domínio do rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
. O que descobriram foi que os mapas das nuvens moleculares detectadas no rádio sobrepõem-se muito bem aos mapas da poeira obtidos a 160 mícrones, o que implica que a poeira detectada provém deste complexo de nuvens e não de Cas A. Donde se tem que concluir que não se observa poeira fria em Cas A propriamente dita.

Afinal, o mistério continua por resolver, e os astrónomos continuam a procurar a fonte da poeira cósmica no Universo jovem. Uma vez descoberta a origem da poeira cósmica fria, estaremos em condições de compreender como se formaram as primeiras gerações de estrelas. Ou então, pode ser que a produção de poeira fria em grandes quantidades se deva a algum processo não estelar que ainda desconhecemos, o que seria igualmente estimulante.

Fonte da notícia: http://uanews.org/cgi-bin/WebObjects/UANews.woa/9/wa/SRStoryDetails?ArticleID=10197