Conjunção das sondas Cassini e Galileo em Júpiter

2002-03-13

Ilustração de como o fluxo de electrões determinado pelo campo magnético joviano liga as três maiores luas de Júpiter com a alta atmosfera do planeta. Crédito: NASA/Universidade de Boston.
Há já vários anos que se sabe que Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
emite fortemente no domínio rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
, por exemplo. Contudo, não era sabido que também emite fortemente no ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
. Recentemente, foram observadas auroras
aurora
A aurora é a luz emitida pelos iões da atmosfera terrestre, principalmente nos pólos geomagnéticos da Terra, estimulada pelo bombardeamento de partículas de alta energia ejectadas pelo Sol. As auroras aparecem dois dias depois das fulgurações solares, proporcionando um espectáculo de rara beleza, e atingem o seu pico cerca de dois anos depois do máximo de manchas solares. As auroras boreais e austrais são observáveis a latitudes elevadas no hemisfério Norte e hemisfério Sul, respectivamente.
nos pólos do planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
, no ultravioleta. Estes fenómenos são produzidos por electrões
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
acelerados
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
que se encontram acoplados às linhas de campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
do planeta. Estes e outros fenómenos foram estudados pelas sondas Galileu e Cassini e são agora relatados na revista Nature.

As novas observações permitiram verificar que estes fenómenos aumentam em intensidade à medida que as ondas de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
, provocadas pelo vento solar
vento solar
O vento solar é um vento contínuo de plasma quente que tem origem na coroa solar e preenche o espaço interplanetário do Sistema Solar. A 1 UA do Sol (ou seja, à distância da Terra ao Sol), a velocidade do vento solar é de cerca de 450 km/s e a densidade é aproximadamente 7 protões/cm3. O vento solar confina o campo magnético da Terra e é responsável por fenómenos como tempestades geomagnéticas e auroras. O Sol ejecta cerca de 10-13 da sua massa por ano via vento solar.
no meio interplanetário, atingem os pólos de Júpiter. Tal como ocorre no planeta Terra, estes choques comprimem e reconfiguram a magnetosfera
magnetosfera
Magnetosfera é a região em torno de um objecto celeste ocupada pelo seu campo magnético.
joviana produzindo fortes campos eléctricos. Estes, por sua vez, aceleram os electrões acoplados às linhas do campo magnético, produzindo assim um aumento de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
. Tal deve-se ao facto de que cargas eléctricas aceleradas emitem radiação.

Embora já se conhecessem electrões com energias cinéticas da ordem dos 20 MeV
megaelectrão-volt (MeV)
O megaelectrão-volt (MeV) é uma unidade de energia igual a um milhão de electrões-volt: 1 MeV = 106 eV.
(1 MeV representa um milhão de electrões volt
volt (V)
O volt (V) é a unidade SI de potencial eléctrico, de diferença de potencial, de tensão eléctrica e de força motriz. Um volt é a diferença de potencial eléctrico que existe entre dois pontos de um condutor eléctrico que transporta uma corrente de intensidade constante de 1 ampere quando a potência dissipada entre estes pontos é igual a 1 watt: 1 V = W A-1 = 1 Ω A = m2 kg s-3 A-1.
), a sonda Cassini
Cassini-Huygens (NASA/ESA)
A missão Cassini-Huygens é uma missão conjunta da NASA e da ESA dedicada a Saturno que foi lançada no dia 13 de Outubro de 1997. Esta missão é composta por duas sondas: a sonda Cassini cujo objectivo principal é o estudo de Saturno, da sua atmosfera e do seu campo magnético, e a sonda Huygens cujo objectivo é o estudo da atmosfera do maior satélite de Saturno, Titã. O ponto alto desta missão será sem dúvida o pouso da sonda Huygens na superfície de Titã.
detectou electrões com energias superiores a 50 MeV. Os valores destas energias levantam sérios problemas aos modelos existentes para explicar a aceleração dos electrões (Bolton, S.A. et al
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
., Nature 415, pág. 987).

No entanto, as descobertas não se ficaram por aqui. Tal como ocorre em Io, descobriu-se que também Ganimedes e Europa geram fluxos de iões
ião
Átomo ou molécula que perdeu ou ganhou um ou mais electrões.
que, sendo conduzidos pela magnetosfera joviana, interagem fortemente na atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
de Júpiter por baixo destas luas. Nas regiões da alta-atmosfera em que o fluxo de iões embate, gera-se uma forte emissão de radiação ultravioleta (Clark, J.T. et al., Nature 415, pág. 997).

Por outro lado, imagens de alta-resolução obtidas pelo satélite Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
mostram que a emissão de radiação X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
é proveniente de uma "zona quente" a elevada altitude. Este fenómeno variável e tão localizado coloca, uma vez mais, a comunidade científica numa nova encruzilhada que é a de descobrir qual a razão física deste processo. Esta mesma região é conhecida por também emitir quantidades anómalas de radiação no infravemelho e no ultravioleta (Gladstone, G.R. et al., Nature 415, pág. 1000).

Fonte da notícia: Revista Nature, Volume 415, 28 de Fevereiro de 2002.