Novos cálculos astronómicos refinam a Escala do Tempo Geológico

2004-11-15

A Teoria de Milankovitch estabelece que as variações cíclicas da órbita e da rotação da Terra produzem variações na quantidade de energia solar que chega à Terra (insolação). Os três ciclos de Milankovitch são: a variação da excentricidade da órbita da Terra (a forma da órbita da Terra à volta do Sol muda); a variação da obliquidade (o ângulo do eixo da Terra com o plano da sua órbita varia); e a precessão (alteração na direcção do eixo de rotação da Terra). Crédito: Robert Simmon, NASA GSFC.
A órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
da Terra à volta do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, assim como a orientação do seu eixo de rotação, mudam lentamente ao longo do tempo. Como consequência, introduzem variações na radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
solar que a superfície da Terra recebe e são, por isso, responsáveis por algumas das grandes alterações climáticas ocorridas no passado. Novos resultados computacionais da evolução a longo prazo do movimento orbital e rotacional da Terra foram apresentados num artigo na revista Astronomy & Astrophysics, por uma equipa liderada por J. Laskar (Instituto de Mecânica Celeste e Cálculo de Efemérides/Observatório de Paris) e que inclui o astrofísico português Alexandre Correia (Instituto de Mecânica Celeste e Cálculo de Efemérides/Observatório de Paris e Universidade de Aveiro).

Em 1941, o matemático Milankovitch descreveu, na sua teoria da paleoclimatologia, os principais efeitos que os fenómenos astronómicos podem ter no clima da Terra. Em 1976, o trabalho de Hays, Imbrie e Shackleton de medição da variação, ao longo do tempo, do volume de gelo continental com a variação do rácio isotópico
isótopo
Chamam-se isótopos aos átomos cujos núcleos têm o mesmo número de protões (por isso, são o mesmo elemento químico), mas têm um número diferente de neutrões. O número atómico dos isótopos é igual, mas o número de massa é diferente.
de oxigénio nos sedimentos marinhos vieram comprovar a teoria de Milankovitch – a sucessão das Idades do Gelo, durante a época do Plistoceno
Plistoceno
O Plistoceno, ou Pleistoceno, é a época mais antiga do Quaternário (Era Antropozóica), com início há cerca de dois milhões de anos. Esta época caracteriza-se pelo arrefecimento geral da atmosfera, pela ocorrência sucessiva de quatro períodos de glaciação, pelo aparecimento de novas espécies adaptadas ao frio e, mais importante que tudo, é relativo a esta época que se encontram os primeiros sinais da existência do homem e onde começa, portanto, a pré-história. O Plistoceno corresponde, em grande parte, ao paleolítico dos arqueólogos.
(entre 10 000 anos e 1,8 milhões de anos atrás), relaciona-se com as alterações periódicas dos parâmetros da órbita e da rotação da Terra.

Milankovitch utilizou computações da evolução das órbitas planetárias para estabelecer a sua teoria. Mas para além disso, este tipo de computação também serve para refinar a Escala do Tempo Geológico. Esta depende de duas etapas na datação dos registos. Primeiro, os registos sedimentares que são colhidos no mundo inteiro que têm de ser relacionados entre si através de eventos significativos, como o aparecimento (ou desaparecimento) de certas espécies de seres vivos, ou inversões na polaridade do campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
da Terra. Os registos sedimentares ficam assim associados a uma escala de tempo relativa.

O passo seguinte é a fixação de uma escala absoluta. A técnica mais utilizada para a datação dos registos geológicos mais antigos (com mais de 100 milhões de anos de idade) baseia-se em decaimentos radioactivos de elementos químicos
elemento químico
Elemento composto por um único tipo de átomos. Os elementos químicos constituem a Tabela Periódica.
em amostras. Contudo, a utilização de computações astronómicas é muito mais precisa para determinar a idade de registos sedimentares mais jovens. O princípio da técnica de datação astronómica é a seguinte: calculam-se os parâmetros orbitais da Terra no passado e determina-se a variação no tempo da energia solar que chega à superfície da Terra - a chamada insolação; a seguir, os ciclos da variação da insolação são comparados com os ciclos da paleoclimatologia inferido a partir dos arquivos sedimentares, o que leva à datação absoluta dos registos sedimentares.

J. Laskar e os seus colaboradores reproduziram com grande precisão a órbita da Terra no passado e no futuro, por um período de 40 a 50 milhões de anos. Pela primeira vez, a datação astronómica foi aplicada a um período geológico completo, o Neogénico, que teve início há 23,03 milhões de anos. As novas computações contribuem para um dos maiores aperfeiçoamentos da Escala do Tempo Geológico adoptada pela União Internacional das Ciências Geológicas - para o período do Neogénico, a datação tem agora uma precisão de 40 000 anos.

Na realidade, a equipa efectuou os cálculos da órbita da Terra para um período entre –250 e +250 milhões de anos. Ao longo de um intervalo de tempo tão grande, as órbitas planetárias apresentam um comportamento caótico e o erro nas computações aumenta drasticamente, só sendo possível calcular com precisão os últimos 100 milhões de anos. Mas as computações para além dos 100 milhões de anos podem ainda ser muito úteis.

Em particular, os cálculos permitiram caracterizar a variação da excentricidade
excentricidade
A excentricidade de uma elipse é a razão entre a distância de um foco ao centro da elipse (c) e o seu semi-eixo maior (a): e=c/a. A circunferência tem excentricidade nula, e=0.
da órbita da Terra ao longo de 250 milhões de anos. Já se sabia que a excentricidade tem uma modulação com um período de 405 000 anos, resultante das perturbações de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
e Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
. Neste estudo, os investigadores propõem utilizar este ciclo para calibrar a Escala do Tempo Geológico desde o início da Era do Mesozóico (há 250 milhões de anos), o que levará a uma precisão dez vez maior do que a actual escala para esse período geológico.

Finalmente, o estudo da variação da obliquidade da Terra (o ângulo entre o plano do equador da Terra e o plano da sua órbita) mostrou evidências de que uma variação significativa irá ocorrer no futuro próximo. A obliquidade da Terra aumenta cerca de 2 graus por cada mil milhões de anos devido à Lua
Lua
A Lua é o único satélite natural da Terra.
estar a afastar-se da Terra a uma taxa de 3,82 cm por ano. Mas num futuro próximo, o movimento de precessão
precessão
A precessão é a variação periódica da direcção do eixo de rotação de um objecto, provocada pela influência gravitacional de outro corpo. Um exemplo clássico é o de um pião rodar: o seu eixo de rotação descreve um círculo no sentido oposto àquele em que está a rodar. A precessão dos equinócios é a precessão a que o eixo de rotação da Terra está sujeito devido à combinação de dois factores: a Terra não é esférica; a Terra sofre as forças de maré da Lua e do Sol.
da Terra fará com que a obliquidade decresça cerca de 0,4 graus em apenas alguns milhões de anos. Este fenómeno poderá ter um forte impacto no clima da Terra.

Fonte da notícia: http://www.edpsciences.org/papers/aa/abs/press-releases/PRaa200410/PRaa200410.html