H.E.S.S. obtém primeira imagem de raios gama de alta energia

2004-11-11

Imagem do remanescente de supernova RX J1713.7-3946, em radiação gama de alta energia. Sobreposto, para comparação, estão os contornos da emissão da radiação X observada com o satélite ASCA (Japão). Crédito: PPARC.
Há quase um século que se sabe que partículas de alta energia bombardeiam a Terra continuamente – são os raios cósmicos, na sua maioria protões
protão
Partícula que, juntamente com o neutrão, constitui os núcleos atómicos. Todos os átomos têm pelo menos um protão e é o número de protões que determina o elemento químico do átomo. Os protões têm carga eléctrica positiva. Os protões são formados por três quarks (dois u e um d), são bariões (e hadrões), e o seu spin é um número semi-inteiro.
com energia até 1020 eV
electrão-volt (eV)
O electrão-volt (eV) é uma unidade de energia que corresponde à energia adquirida por um electrão quando este é acelerado por uma diferença de potencial de um volt num campo eléctrico. 1 eV = 1,6 x 1012 erg = 1,60217733 x 10-19 J.
e electrões
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
acelerados
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
quase à velocidade da luz
velocidade da luz
A velocidade da luz é a rapidez com que se propagam as ondas luminosas (ou radiação electromagnética). No vácuo, é igual a 299 790 km/s, sendo independente do referencial considerado.
. Mas ainda hoje se debate a origem dos raios cósmicos e o local onde as partículas são aceleradas.

É geralmente proposto que os remanescentes de supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
são os principais aceleradores dos raios cósmicos da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. Aquando da explosão da supernova, as camadas externas da estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
são ejectadas a velocidades relativistas e formam uma onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
no meio interstelar
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
, que possui mecanismos para acelerar partículas. A interacção de protões e iões
ião
Átomo ou molécula que perdeu ou ganhou um ou mais electrões.
com o meio interestelar, assim como a emissão por efeito de Compton inverso
dispersão de Compton inversa
A dispersão de Compton inversa ocorre quando um fotão é disperso por uma partícula carregada (electrão, por exemplo) que se move com uma velocidade próxima da velocidade da luz. Como consequência, a partícula carregada perde energia e o fotão aumenta a sua frequência (diminui o comprimento de onda).
de electrões relativistas, são dois processos que se pensa que terão aí lugar e que levam à produção de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
de energia elevadíssima. Mas até agora não havia prova directa de que assim era.

Os raios gama constituem a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
mais penetrante que se conhece, sendo extremamente difícil obter uma imagem com esta radiação: como atravessa qualquer superfície, não se consegue capturá-la para criar uma imagem à semelhança do que se faz com a luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
e com outras formas de radiação. Contudo, e felizmente para a vida na Terra, os raios gama vindos do espaço são bloqueados pela atmosfera terrestre
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
e provocam uma cascata de partículas que avançam pela atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
até chegarem à superfície da Terra. Quando isto acontece, um flash azul de fraco brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
é produzido durante uns décimos do milionésimo de segundo. Os astrónomos utilizam estes flashes de radiação, chamada radiação de Cherenkov, para determinarem a direcção de onde vem a radiação gama e para produzirem mapas de raios gama da fonte.

O consórcio H.E.S.S. (do inglês High Energy Stereoscopic System), constituído por institutos de países europeus (Alemanha, França, Reino Unido, Irlanda, República Checa e Arménia) e africanos (Namíbia e África do Sul), construiu um sistema de quatro telescópios de Cherenkov em Khomas Highland, Namíbia, para o estudo de raios gama de alta energia. O H.E.S.S. obteve um mapa do remanescente de supernova RX J1713.7-3946 entre 800 GeV
gigaelectrão-volt (GeV)
O gigaelectrão-volt (GeV) é uma unidade de energia igual a mil milhões de electrões-volt: 1 GeV = 109 eV.
e 10 TeV
teraelectrão-volt (TeV)
O teraelectrão-volt (TeV) é uma unidade de energia igual a um bilião de electrões-volt: 1 TeV = 1012 eV.
. A sobreposição deste mapa ao já obtido em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
pelo satélite ASCA (Japão) mostra que coincidem, provando que as partículas de energia muito elevada são de facto aceleradas na bolha de gás do remanescente. O mapa obtida pelo H.E.S.S. constitu a primeira imagem de sempre de radiação gama com energia na ordem dos teraelectão-volt!

Este trabalho de investigação veio não só ajudar a decifrar o enigma centenário sobre a origem dos raios cósmicos, como também veio abrir as portas a todo um novo sistema de obtenção de imagens. Uma descrição dos resultados desta investigação foi publicado numa artigo na revista científica Nature, no início deste mês, sendo o primeiro autor F. Aharonian, do Instituto Max-Planck para a Física Fundamental (Alemanha).

Fonte da notícia: http://www.obspm.fr/actual/nouvelle/nov04/snr.en.shtml