Objectos da Cintura de Kuiper são menores do que se julgava?

2004-11-24

Visão artística de um objecto da cintura de Kuiper. Crédito: NASA/JPL.
Os objectos da cintura de Kuiper
Cintura de Kuiper
A Cintura de Kuiper é uma região em forma de disco, localizada depois de Neptuno, entre 30 e 50 UA do Sol. É constituída por muitos pequenos corpos gelados, restos da formação do Sistema Solar, e é a fonte dos cometas de curto-período. O primeiro objecto da Cintura de Kuiper, 1992QB1, com 240 km de diâmetro, só foi descoberto em 1992, mas desde então já se conhecem centenas de objectos da Cintura de Kuiper (KBO, do inglês Kuiper Belt Object). Há astrónomos que consideram Plutão, e a sua lua Caronte, objectos da Cintura de Kuiper.
são corpos gelados, parentes dos corpos da cintura de asteróides
Cintura de Asteróides
A Cintura de Asteróides é a região do Sistema Solar situada entre Marte (1,5 UA) e Júpiter (5,2 UA), no plano da eclíptica, onde se encontra a maior parte dos asteróides.
, que constituem os restos dos blocos de construção dos planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
. Com o recurso aos grandes e potentes telescópios, os astrónomos descobriram até à data cerca de mil objectos nesta cintura, com órbitas
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
para além de Neptuno
Neptuno
Neptuno é, a maior parte do tempo, o oitavo planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas por vezes é o nono, quando Plutão, na sua órbita excêntrica, se aproxima mais do Sol. Neptuno, de cor azulada devido à presença de metano na sua atmosfera, possui uma atmosfera onde ocorrem tempestades e ventos violentos. Com um diâmetro cerca de 4 vezes o da Terra, Neptuno é o menor e mais longíquo dos planetas gigantes gasosos.
, depois da descoberta do primeiro objecto deste tipo em 1992. Tais descobertas originaram um debate aceso em torno da questão de saber se devemos considerar Plutão
Plutão
Plutão é, na maior parte do tempo, o nono e último planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas devido à sua órbita excêntrica, durante algum tempo aproxima-se mais do Sol do que Neptuno. É um planeta singular em muitos aspectos: é o mais pequeno (cerca de 1/500 o diâmetro da Terra), tem uma composição muito rica em gelos, possui a órbita mais excêntrica e inclinada em relação à eclíptica, e tem, tal como Úrano, o seu eixo de rotação muito inclinado (122º) em relação à eclíptica.
como planeta de pleno direito ou antes como um objecto da cintura de Kuiper anormalmente grande e próximo de nós.

Estima-se que a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
total da cintura de Kuiper seja cerca de 10% da massa da Terra. A maioria dos cientistas acredita que existem mais de 10 mil objectos na cintura de Kuiper com tamanhos maiores que 100 km, enquanto que na cintura de asteróides
asteróide
Um asteróide é um pequeno corpo rochoso que orbita em torno do Sol, com uma dimensão que pode ir desde os 100 m até aos 1000 km. A maioria dos asteróides encontra-se entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Também são designados por planetas menores.
apenas se conhecem duzentos destes objectos.

Nos últimos anos, os astrónomos têm vindo a descobrir objectos da cintura de Kuiper com tamanhos apreciáveis (com pelo menos metade do diâmetro de Plutão). Contudo, os tamanhos não são medidos directamente, mas antes inferidos a partir das observações e de algumas hipóteses, como por exemplo admitir que o albedo
albedo
O albedo é uma medida da reflectividade de um astro, definida como a razão entre a quantidade de luz reflectida pelo astro e a quantidade de luz recebida. A reflexão total corresponde a um albedo de 1.
destes objectos é muito baixo, tal como nos cometas
cometa
Os cometas são pequenos corpos irregulares, compostos por gelos (de água e outros) e poeiras. Os cometas têm órbitas de grande excentricidade à volta do Sol. As estruturas mais importantes dos cometas são o núcleo, a cabeleira e as caudas.
.

Medir o albedo destes objectos é extremamente difícil dadas as distâncias a que se encontram, as suas baixas temperaturas (são corpos muito frios), e dado o seu fraco brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
(pois são corpos pequenos). Muitos astrónomos assumiram que os objectos de Kuiper possuem albedos da ordem de 0,04 (ou 4%) e usaram este valor nos cálculos dos diâmetros.

E se não for assim? Um levantamento recente de 30 objectos da cintura de Kuiper realizado pelo Spitzer Space Telescope
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
revelou que um destes objectos, designado por 2002 AW197, reflecte cerca de 18% da luz que sobre ele incide (ou seja possui um albedo de 0,18), valor este bem superior ao valor admitido de 4%. Isto implica um diâmetro da ordem dos 700 km, muito abaixo do diâmetro de Plutão (2 274 km).

Estudos anteriores levaram os astrónomos a pensar que 2002 AW197 era um dos maiores objectos da cintura de Kuiper conhecidos até à data. Os resultados agora obtidos indicam que de facto este objecto é maior do que todos os objectos da cintura de asteróides, com a excepção do asteróide Ceres
Ceres
Ceres foi o primeiro asteróide a ser descoberto, em 1801 por Giusepe Piazzi. É o maior asteróide que se conhece, com cerca de 510 km de raio. A sua órbita caracteriza-se por uma distância média ao Sol de 2,7673 UA, uma excentricidade de 0,079 e uma inclinação de 10,6°. O seu período de rotação é de 0,38 dias, o período sideral 1682 dias e o período sinódico 466,6 dias. A sua velocidade orbital média é de 17,9 km/s e a sua massa de 1,17 x 1021 kg. O seu albedo é 0,06 e o seu espectro sugere que se trata de um condrito carbonácio.
(que tem metade do tamanho de Caronte, a lua de Plutão, e uma massa correspondente a cerca de 10% da massa de Plutão).

Estamos pois a entrar numa nova era, na qual começa a ser possível obter de forma mais fiável parâmetros físicos reais de objectos tão longínquos e pequenos como os objectos da cintura de Kuiper. Isto permitirá determinar a sua composição, as suas distribuições reais de massa e tamanho, a sua dinâmica e ainda a forma como evoluem no tempo. E, claro, perceber como se encaixa neste cenário o distante e pequeno planeta Plutão.

Se o objecto 2002 AW197 for um objecto típico e não uma excepção, então Plutão pode de facto ser considerado como um verdadeiro planeta, e não como um destes pequenos corpos que foi arrancado da cintura de Kuiper.

Fonte da notícia:
http://uanews.org/cgi-bin/WebObjects/UANews.woa/5/wa/SRStoryDetails?ArticleID=10070