Sobrevivente da explosão de supernova de 1572 confirma teoria de supernovas

2004-11-05

Em cima: imagem do telescópio Hubble, onde se pode observar uma pequena secção do céu, contendo a estrela candidata a sobrevivente da explosão de supernova de tipo Ia. A estrela, semelhante ao Sol, embora mais envelhecida, move-se no espaço a uma velocidade 3 vezes superior à das estrelas na sua vizinhança. Em baixo: uma composição da imagem do Hubble com outra obtida pelo Chandra, mostrando a nuvem em forma de bolha que constitui o remanescente da supernova, nas suas diferentes frequências de raios-X. A vermelho estão representadas as regiões de maior energia, a verde as intermédias e a azul as regiões de energia menor. A nuvem e a estrela sobrevivente estão aproximadamente a uma mesma distância de 10000 anos-luz da Terra. Crédito: NASA, ESO, CXO, e P. Ruiz-Lapuente (Universidade de Barcelona).
Uma equipa internacional de astrónomos acaba de divulgar a descoberta de um provável sobrevivente da explosão de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
testemunhada, em 1572, pelo astrónomo dinamarquês Tycho Brahe.

A 11 de Novembro de 1572, Tycho Brahe anunciou o aparecimento de uma nova estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
de Cassiopeia, mais brilhante do que o planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
. Nenhuma estrela deste tipo tinha sido observada anteriormente nesta região do céu. Durante duas semanas a estrela pôde ver-se durante o dia e no final de Novembro começou a ficar menos bilhante e a mudar de cor, do branco para o amarelo e laranja, e depois para o vermelho. Em Março de 1574 deixou de ser visível a olho nu. Tycho registou de forma meticulosa todo este processo, de tal forma que os astrónomos dos nossos dias puderam identificar o fenómeno com o da explosão de uma supernova do tipo Ia
supernova Tipo Ia
Uma supernova de tipo I que não apresenta no seu espectro riscas espectrais de hidrogénio e de hélio, mas possui fortes riscas espectrais de silício.
.

Segundo as concepções actuais, as supernovas de tipo Ia ocorrem em sistemas binários, constituídos por uma anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
e uma estrela normal. A energia libertada pela explosão da anã branca no evento é perfeitamente determinada, podendo servir, como unidade de intensidade luminosa padrão, para medir distâncias astronómicas. Deste modo, as supernovas de tipo Ia podem ser usadas para estimar a razão da expansão do Universo e para ajudar os astrónomos a perceberem o comportamento de uma força desconhecida, que se julga responsável pela aceleração
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
do processo de expansão e à qual se dá o nome de energia escura. O seu papel torna-se assim muito importante nas mais modernas descobertas cosmológicas.

Quatrocentos e trinta e dois anos depois da explosão observada por Tycho, os astrónomos conseguiram identificar, na região do espaço imersa numa extensa bolha de gás quente que constitui o remanescente de supernova, uma estrela, semelhante ao Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, mas num estado de evolução mais avançado (milhares de milhões de anos mais velha), que parece ser o sobrevivente em fuga do binário original.

Durante os últimos 7 anos, a estrela em fuga e a sua vizinhança têm sido estudadas através de vários telescópios, entre eles o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), que teve um papel chave na determinação do movimento da estrela contra o plano de fundo celeste. Verifica-se que ela é veloz e está mesmo a ultrapassar o limite de velocidade relativo à região da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
em que se encontra, movendo-se três vezes mais depressa que as estrelas que a rodeiam. Julga-se que isto pode ser devido ao impacto provocado pela explosão, que lhe terá conferido um impulso muito forte e que se traduziu numa velocidade orbital muito elevada que a estrela terá mantido.

Mas estas evidências podem ser apenas circunstanciais. Pode ser que a estrela esteja apenas a cair, a uma grande velocidade, do halo galáctico que rodeia o disco da Via Láctea. No entanto, os espectros obtidos, quer pelo telescópio Herschel
William Herschel Telescope (WHT)
O telescópio William Herschel (WHT), com 4,2 m de diâmetro, pertence ao Grupo de Telescópios de Isaac Newton (ING), no observatório de Roque de Los Muchachos, em La Palma (Canárias). O WHT é o maior telescópio nos observatórios das Canárias e possui instrumentos que permitem uma grande variedade de observações astronómicas, desde câmaras de imagem a espectrógrafos, tanto de radiação visível como infravermelha, e ainda, um sistema de óptica adaptativa.
(ING), em La Palma, quer pelos telescópios Keck
W. M. Keck Observatory
O Observatório W. M. Keck é operado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e pela NASA, e encontra-se localizado em Mauna Kea, no Havai. O observatório é constituído por dois telescópios gémeos de 10 metros, o Keck I e o Keck II.
(NASA/Caltech), no Havai, mostram que a estrela possui uma grande quantidade de elementos químicos pesados
metal
Em Astronomia, todos os elementos químicos de número atómico superior ao do hélio são designados por metais, ou por elementos pesados.
, o que é típico das estrelas que se encontram dentro do disco galáctico e não no halo.

A estrela descoberta parece assim possuir o perfil adequado para se tratar do sobrevivente de uma supernova do tipo Ia. Existem outros sistemas binários, contendo anãs brancas, que podem vir a dar origem a supernovas do mesmo tipo, como é o caso do sistema U Scorpii, constituído por uma anã branca e um companheiro semelhante ao que foi descoberto. No entanto, estes eventos poderão vir apenas a verificar-se dentro de centenas de milhares de anos.

Os resultados desta pesquisa, liderada por Pilar Ruiz-Lapuente, da Universidade de Barcelona, foram publicados no passado dia 28 de Outubro na revista britânica Nature.

Fonte da notícia: http://hubblesite.org/newscenter/newsdesk/archive/releases/2004/34/text/