Hipparcos descobre rebeldes com causa

2004-10-27

Via Láctea - impressão artística. Os braços espirais, regiões de elevada densidade de estrelas e de gás, são claramente visíveis. O Sol está localizado num deles, ligeiramente a norte do plano médio da Galáxia e a uma distância intermédia do seu centro. Os braços espirais podem alterar a trajectória das estrelas que passam pelas suas cercanias, forçando-as a seguirem percursos em direcção ao centro da Galáxia, ou em sentido contrário, em vez das órbitas naturais em torno da região central. Três desses percursos de estrelas rebeldes foram descobertos na vizinhança do Sol. Crédito: S. Kerroudj, B. Famaey & A. Jorissen (Universidade Livre de Bruxelas).
O Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e a maioria das estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
próximas seguem uma órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
regular, quase circular, em torno do centro da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. Através de dados obtidos pelo satélite Hipparcos
Hipparcos
O Hipparcos foi uma missão da Agência Espacial Europeia (ESA), lançada em Agosto de 1989 e terminada em Agosto de 1993. Esta foi a primeira missão espacial astrométrica, isto é, para medir posições, distâncias, movimentos, luminosidades e cores das estrelas. O Hipparcos observou mais de 100000 estrelas com uma grande precisão, influenciando todos os ramos da Astronomia. O producto mais directo da missão é um conjunto de catálogos estelares - o Catálogo de Hipparcos e o Catálogo de Tycho - publicados pela ESA em 1997.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), uma equipa de astrónomos europeus, liderada por B. Famaey, da Universidade Livre de Bruxelas, descobriu vários grupos de estrelas rebeldes, movendo-se rapidamente em percursos peculiares, maioritariamente em direcção ao centro da Galáxia, ou em sentido oposto. Estas estrelas representam 20% das que se encontram numa extensão de 1000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
em relação ao Sol, que por sua vez está à distância de 25000 anos-luz do centro da Galáxia.

A vizinhança do Sol revela-se assim uma encruzilhada de percursos de estrelas rebeldes. O Hipparcos descobriu três e verificou-se que as estrelas que seguem na mesma “estrada” têm pouco a ver umas com as outras. As suas idades são diferentes, tal como a sua composição química, pelo que não podem ter tido origem na mesma altura, nem no mesmo lugar. Podemos considerá-las companheiras de viagem e não membros de uma mesma família.

Existe, com efeito, uma causa para a aparente rebeldia destas estrelas: elas terão sido agrupadas à força, deslocadas da sua órbita por uma espécie de “pontapé” exercido por um dos braços espirais
braço espiral
Um braço espiral de uma galáxia é uma estrutura curva no disco de uma galáxia espiral (ou, em alguns casos, de uma galáxia irregular), constituída por estrelas jovens, aglomerados de estrelas, nebulosas, gás e poeiras.
da Via Láctea que as encontrou pelo caminho. Os braços espirais da Via Láctea são constituídos por regiões de elevada densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de gás e estrelas, a que se dá o nome de ondas de densidade. As ondas de densidade, semelhantes a pontos de congestionamento numa auto-estrada, interferem com a matéria que vão encontrando pelo caminho. Quando encontram gás, este é comprimido, favorecendo o nascimento de novas estrelas, mas quando encontram estrelas já formadas deflectem a sua trajectória. Depois da passagem da onda, muitas estrelas seguem viagem juntas, independentemente das suas órbitas originais.

Algumas destas estrelas rebeldes podem albergar sistemas planetários. As estrelas com sistemas planetários formam-se preferencialmente em nuvens densas de gás contendo grande quantidade de metais
metal
Em Astronomia, todos os elementos químicos de número atómico superior ao do hélio são designados por metais, ou por elementos pesados.
pesados, como as que se encontram nas regiões mais centrais da Galáxia. Recentemente foram descobertas estrelas com sistemas planetários nas proximidades do Sol. Calcula-se que as correntes descobertas pelo Hipparcos são o mecanismo responsável pela aproximação dessas estrelas ao Sol.

Durante uma missão de 4 anos, o satélite Hipparcos obteve dados referentes à distância e à direcção do movimento de mais de 100 mil estrelas, mas a informação obtida não permitia perceber o sentido desse movimento, isto é, se as estrelas se estão a afastar ou a aproximar de nós. Foi necessário combinar os dados do Hipparcos com outros obtidos pelo telescópio suíço do Observatório da Alta-Provença, na França, a respeito do desvio de Doppler - desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
, ou para o azul - dos corpos em causa, para se conseguirem os resultados pretendidos.

Neste momento resta saber o papel que estas correntes de estrelas rebeldes representam na evolução da Via Láctea. A missão Gaia, da ESA, agendada para 2011, possibilitará o alargamento desta investigação a uma região muito mais extensa, com a observação de mais de 1000 milhões de estrelas, determinando todas as características dos seus movimentos, incluindo o sentido do movimento, graças à presença a bordo de um espectrógrafo capaz de obter informação sobre o desvio de Doppler.

Fonte da notícia: http://www.esa.int/esaSC/Pr_23_2004_s_en.html