Os grandes observatórios espaciais podem desvendar o mistério de uma supernova com 400 anos

2004-10-12

Em cima: imagem combinada dos resultados obtidos pelos três telescópios. Em baixo, da esquerda para a direita: o Chandra mostra, a azul, como o gás mais quente se situa imediatamente atrás da frente da onda de choque, e a verde, as regiões menos quentes, localizadas num espesso anel interior; o Hubble revela (a amarelo) as zonas de maior densidade de gás; o Spitzer mostra (a vermelho) as partículas de poeira interstelar, assim como a extensão da onda de choque. Crédito: NASA, ESA, R. Sankrit and W. Blair (Johns Hopkins University).
Há 400 anos, os observadores do céu, incluindo o famoso astrónomo Johannes Kepler, ficaram surpreendidos pelo aparecimento repentino de uma “nova estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
” a ocidente, cujo brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
rivalizava com o dos planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
mais próximos. Tratava-se da supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
de Kepler, a última explosão de supernova observada dentro da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. Hoje, os astrónomos modernos, utilizando três grandes observatórios espaciais, estão finalmente aptos a desvendar os mistérios dos restos em expansão desta supernova.

Quando em Outubro de 1604 uma nova estrela apareceu, os observadores puderam apenas servir-se dos seus olhos para a estudar. O telescópio só seria inventado 4 anos mais tarde. No entanto, os astrónomos dos nossos dias têm o privilégio de poder combinar as potencialidades do Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), do Telescópio Espacial Spitzer
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
(NASA) e do Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA), para poderem analisar os restos da supernova em diversas regiões do espectro electromagnético
espectro electromagnético
O espectro electromagnético é a gama completa de comprimentos de onda da radiação electromagnética. Divide-se usualmente nas bandas dos raios gama, raios-X, ultravioleta, visível, infravermelho, submilímetro, milímetro, microondas (comprimentos de onda da ordem do centímetro) e rádio (comprimentos de onda superiores ao metro).
, respectivamente: a luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
, o infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
e os raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
. A equipa dedicada a este estudo é liderada por Ravi Sankrit e William Blair, da Universidade Johns Hopkins (EUA).

Os resultados obtidos pelos três telescópios deram origem a uma imagem combinada, que revela uma nuvem de gás e poeira, em forma de bolha, com um diâmetro de 14 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
e se expande à velocidade de 2000 quilómetros por segundo. Trata-se de um anel de matéria rica em ferro resultante da estrela que explodiu, movendo-se a grande velocidade, rodeado por uma onda de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
em expansão que está a arrastar consigo gás e poeira interestelar
poeira interestelar
A poeira interestelar é constituído por minúsculas partículas sólidas, com diâmetros da ordem dos mícrones, existentes no meio interestelar.
.

As observações de cada telescópio dão realce a diferentes aspectos do remanescente de supernova. Os dados do infravermelho estão relacionados com o aquecimento da poeira interestelar, enquanto os do visível e os dos raios-X mostram as diferentes temperaturas do gás. Mas vejamos cada um deles em detalhe.

As imagens de luz visível obtidas pelo Hubble mostram onde a onda de choque está a embater nas zonas mais densas do gás envolvente. Os pontos mais brilhantes correspondem a regiões de maior densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
, que se formaram atrás da onda de choque devido a instabilidades deixadas pelo seu rasto. Podem ver-se ainda estreitos filamentos de gás, que têm o aspecto de folhas onduladas vistas de perfil e que correspondem a regiões onde a onda de choque encontrou material interestelar de menor densidade e mais uniforme.

Os dados do infravermelho, obtidos pelo Spitzer, dizem respeito às partículas de poeira interestelar que foram aquecidas pela energia da onda de choque da supernova. Esta poeira volta a irradiar essa energia sob a forma de luz infravermelha, capaz de ser captada pelo Spitzer. Os locais de maior brilho no infravermelho correspondem às regiões mais densas observadas, no visível, pelo Hubble. Mas onde o Hubble via apenas um brilho muito forte, o Spitzer é sensível ao ponto de detectar toda a extensão da onda de choque, uma nuvem esférica de matéria. Observações espectroscópicas recentes, realizadas por instrumentos deste telescópio, conseguem mostrar ainda a composição química da nuvem de gás e poeira - ela é similar à da nuvem que se condensou para formar o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e os planetas do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
.

Os dados de raios-X do Chandra revelam regiões de gás muito quente, constituído por partículas de energia extremamente elevada. As zonas mais quentes (raios-X mais energéticos) estão localizadas directamente atrás da frente de onda de choque; as mais frias (raios-X menos energéticos) localizam-se num espesso anel interior e assinalam a localização do material que foi expelido pela estrela que explodiu.

O estudo aprofundado dos resultados obtidos pelos três telescópios irá ajudar os astrónomos na tarefa de descobrir o tipo de estrela que deu origem à explosão de supernova. Das seis supernovas conhecidas na nossa Galáxia, durante os últimos 1000 anos, a supernova de Kepler é a única em que o tipo da estrela mãe se desconhece.

Fonte da notícia: http://hubblesite.org/newscenter/newsdesk/archive/releases/2004/29/text/