Observações desafiam teoria de formação das galáxias

2004-09-23

Em cima: Galáxia irregular Leo A vista pelo telescópio japonês Subaru. Em baixo: Imagem na banda V (banda visual, a 0,55 mícrones) de Leo A, obtida pela câmara Suprime-Cam. As elipses sobrepostas na imagem representam os diferentes tamanhos estimados para Leo A: tamanho observado em estudos prévios (cian); tamanho para o qual o halo agora descoberto se torna proeminente (azul); o novo tamanho agora atribuído a Leo A (vermelho); região usada para contagem de estrelas de fundo para determinação da densidade superficial de estrelas (verde). Crédito: Subaru Telescope, National Astronomical Observatory of Japan (NAOJ).
Compreender a formação e evolução das galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
em escalas de tempo comparáveis à idade do Universo é seguramente um dos maiores desafios da Astrofísica dos nossos dias. Segundo o modelo cosmológico padrão, a formação de galáxias é governada pela força gravitacional da matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
fria que permeia o Universo, apesar das galáxias se apresentarem actualmente como essencialmente formadas por matéria dita normal.

Neste cenário, as galáxias formam-se por aglomeração hierárquica: pequenas flutuações primordiais de densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
na distribuição de matéria no Universo jovem crescem e combinam-se para formar estruturas maiores, como a nossa galáxia. Julga-se que as galáxias irregulares anãs, o tipo de galáxias mais abundante no Universo, devido a preservarem inalteradas as suas propriedades ao longo de milhares de milhões de anos, constituem os blocos fundamentais de construção do Universo. Estas galáxias são pequenas, com uma distribuição espacial irregular de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, gás e poeira, e não possuem estruturas espirais.

A equipa de investigadores liderada por N. Arimoto (Observatório Astronómico Nacional do Japão) e V. Vansevicius (Instituto de Física da Lituânia) estudou a galáxia irregular anã Leo A, uma galáxia isolada extremamente rica em gás interestelar
gás interestelar
O gás interestelar é constituído pelos átomos, moléculas e iões de elementos, ou substâncias, gasosas presentes no meio interestelar.
, com apenas 0,01% da massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
da nossa galáxia e uma pequena fracção de elementos químicos
elemento químico
Elemento composto por um único tipo de átomos. Os elementos químicos constituem a Tabela Periódica.
produzidos por gerações de estrelas anteriores. Estas características sugerem que esta galáxia tem evoluído sem interacções significativas com outras galáxias. Os cientistas julgavam que esta galáxia possuía uma estrutura simples, em contraste com as grandes galáxias espirais como a Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. Contudo, esta visão é posta em causa pelas recentes imagens profundas das regiões mais externas de Leo A obtidas pelo telescópio Subaru
Subaru Telescope
O Telescópio Subaru é um telescópio óptico e de infravermelhos, com um espelho de 8,2 m de diâmetro. O Subaru encontra-se no Observatório de Mauna Kea, no Havai, e é operado pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão – NAOJ e pelo Instituto Nacional de Ciências Naturais.
(Observatório Astronómico Nacional do Japão), situado em Mauna Kea (Havai).

Sabia-se que Leo A, a uma distância de 2.6 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, tem um tamanho angular apreciável (aproximadamente 7’ x 5’). Com esta extensão, a câmara Suprime-Cam (Subaru Prime Focus Camera) instalada no telescópio japonês Subaru de 8,2 m, situado no topo de Mauna Kea (Havai) e pertencente ao Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ), é um instrumento ideal para o estudo das regiões mais limítrofes de Leo A. Uma única exposição desta câmera cobre um campo de visão de 34’ x 27’, com uma resolução espacial de 0,2’’ e elevada sensibilidade. Foram obtidas imagens ópticas de Leo A em três bandas largas.

De modo a mapear a totalidade da extensão espacial da população de estrelas velhas em Leo A, foram observadas estrelas do ramo das gigantes vermelhas
estrela gigante vermelha
As estrelas gigantes vermelhas são estrelas gigantes com temperaturas à superfície entre 2500 e 3500°C, do tipo espectral M ou K. As estrelas gigantes são um estado evoluído de estrelas anãs, como o Sol - as estrelas anãs, ao terminarem o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo, arrefecem e expandem-se, evoluindo para estrelas gigantes. Um dos seguintes processos, ou os dois, ocorre agora: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo; a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal.
, que são estrelas de pequena massa já evoluídas com luminosidades
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
muito grandes. e que se julga representarem adequadamente as estruturas extensas das galáxias. Foram detectadas 1394 estrelas deste tipo distribuídas simetricamente numa região elíptica de semieixo maior igual a 12’ (identificada a verde na figura ao lado).

Estas observações revelaram uma estrutura significativa em forma de disco, com uma extensão maior (com semieixo de 5.5’) do que aquela que lhe era atribuída anteriormente (cerca de 3.5’). Mais ainda, revelaram uma nova componente estelar em Leo A: um halo de estrelas com um gradiente radial na densidade superficial de estrelas, e apresenta um bordo abrupto na distribuição das estrelas gigantes vermelhas. Este tipo de estrutura nunca tinha sido confirmada em estudos anteriores de galáxias irregulares anãs. A extensão de Leo A agora revelada é duas vezes maior que a extensão até hoje aceite. Isto sugere que, mesmo na nossa vizinhança próxima, não conseguimos ainda observar a extensão as galáxias na sua totalidade, mas ainda apenas como a ponta de um “iceberg”.

Estas estruturas de disco e halo fazem lembrar estas mesmas componentes que se observam em galáxias do tipo espiral, como a Via Láctea, embora em ponto muito mais pequeno. Julga-se que a complicada estrutura das grandes galáxias resulta da aglomeração de galáxias mais pequenas e de menor massa, como as galáxias irregulares anãs. No entanto, este estudo mostra que Leo A, uma irregular anã, possui ela própria estruturas do tipo disco e halo. Isto sugere que as galáxias irregulares anãs, apesar de muito pequenas, são elas próprias resultado de processos evolutivos complexos, o que vem contrariar a tese de que estas galáxias constituem os blocos primordiais fundamentais da construção do nosso Universo.

Os resultados desta pesquisa foram recentemente publicados na edição de 20 de Agosto da revista Astrophysical Journal Letters (Universidade de Chicago, EUA).

Fonte da notícia: http://www.naoj.org/Pressrelease/2004/08/05/index.html