Equipa europeia anuncia descoberta do menor planeta extra-solar até hoje detectado

2004-09-03

Em cima: variações da velocidade radial da estrela mu Arae. A linha preta mostra o melhor ajuste às medições realizadas com o HARPS (pontos vermelhos), assumindo a existência de dois planetas e um companheiro de longo período. Os dados foram obtidos durante um intervalo de tempo de 80 dias (os primeiros pontos são os dados das 8 noites de Junho). A parte de baixo do gráfico mostra o desvio das medições relativas ao melhor ajuste. Em baixo: curva da velocidade radial da estrela mu Arae mostrando o efeito do novo exoplaneta de período 9,5 dias, após as medições terem sido corrigidas para ter em conta o efeito dos outros dois companheiros. A semi-amplitude da curva é inferior a 5 m/s, o que, juntamente com o período orbital de 9,5 dias, implica um limite inferior para a massa do planeta de 14 vezes a massa da Terra. Crédito: ESO.
Actualmente, conhecem-se mais de 120 planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
que orbitam outras estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que não o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
– são os exoplanetas
planeta extra-solar
Um planeta extra-solar é um planeta que não orbita o nosso Sol.
. A maioria dos exoplanetas foi descoberta através de levantamentos de velocidades radiais de estrelas. Este método baseia-se na detecção de variações na velocidade da estrela central que são atribuíveis ao efeito gravitacional de um objecto que orbita a estrela. Medindo as variações da velocidade radial da estrela, é possível deduzir a órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
do objecto (em particular, o período e a distância do objecto à estrela), assim como impor um limite inferior para a massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
do objecto.

Quase todos os exoplanetas até agora descobertos são planetas gigantes gasosos
planeta joviano
Designam-se por planetas jovianos aqueles que se assemelham a Júpiter, ou seja, planetas gigantes com superfícies gasosas. No Sistema Solar, são planetas jovianos Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno.
que rodam à volta da estrela central numa órbita muito apertada – são muitas vezes designados por Júpiteres quentes. Mas esta semana, duas das principais equipas dedicadas à procura de exoplanetas - uma equipa europeia e uma equipa americana - anunciaram, independentemente, a descoberta de planetas de massa muito menor, comparáveis a Neptuno
Neptuno
Neptuno é, a maior parte do tempo, o oitavo planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas por vezes é o nono, quando Plutão, na sua órbita excêntrica, se aproxima mais do Sol. Neptuno, de cor azulada devido à presença de metano na sua atmosfera, possui uma atmosfera onde ocorrem tempestades e ventos violentos. Com um diâmetro cerca de 4 vezes o da Terra, Neptuno é o menor e mais longíquo dos planetas gigantes gasosos.
, que talvez sejam planetas rochosos.

A equipa europeia, da qual faz parte o astrofísico português Nuno Santos (Observatório Astronómico de Lisboa), tirou proveito do novo espectrógrafo HARPS, acoplado ao telescópio de 3,6 m do ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
, no Observatório de La Silla (Chile). Esta montagem permite obter velocidades radiais com uma precisão inigualável de 1 m/s. Comparando com o espectrógrafo CORALIE, que acoplado ao telescópio Suiço-Euler de 1,2 m (também em La Silla), tem sido o mais utilizado por esta equipa na caça aos planetas extra-solares, os tempos de exposição das observações foram reduzidas por um factor de 100 e a precisão das medições aumentou por um factor de 10!

A estrela mu Arae (μ Ara) é uma estrela do tipo do Sol, a 50 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância, localizada na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
austral do Altar. Observações prévias da estrela μ Ara já tinham mostrado que esta possui um planeta gigante, tipo Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
, com um período orbital
período orbital
O tempo necessário para que um corpo descreva uma órbita completa e fechada em torno de outro corpo.
de 650 dias. Também indicavam a presença de mais um companheiro, bastante distante (de longo período de revolução), embora não se soubesse a natureza desse objecto (planeta ou estrela).

Durante 8 noites, em Junho de 2004, μ Ara foi observada repetidamente e a sua velocidade radial medida pelo HARPS para obter informação do interior da estrela. Esta técnica de astro-sismologia estuda as pequenas ondas acústicas que fazem a superfície da estrela pulsar periodicamente. Os astrónomos procuravam conhecer a estrutura interna da estrela de forma a perceberem a origem da quantidade pouco usual de elementos químicos pesados
metal
Em Astronomia, todos os elementos químicos de número atómico superior ao do hélio são designados por metais, ou por elementos pesados.
observados na atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
desta estrela. Mas a análise dos dados revelou uma variação da velocidade radial com um período de 9,5 dias em cima do sinal da oscilação acústica.

Desde essa altura, a estrela foi regularmente monitorizada numa estratégia cuidada para reduzir o ruído sísmico da estrela. Essas novas observações vieram confirmar tanto a amplitude como a periodicidade das variações da velocidade radial encontrada nas 8 noites de Junho. Os astrónomos ficaram com apenas uma explicação convincente para este sinal periódico: um terceiro objecto, um planeta, orbita μ Ara, com um período de 9,5 dias!

Mas esta não foi a única surpresa: os astrónomos deduziram um limite inferior para a massa do novo planeta de apenas 14 vezes a massa da Terra! Este é o menor dos exoplanetas descobertos até agora à volta de uma estrela do tipo do Sol. (O método da velocidade radial para a detecção de exoplanetas tem a limitação de não se saber a inclinação da órbita
inclinação de uma órbita
A inclinação da órbita de um astro é definida pelo ângulo entre o plano orbital do astro e outro plano de referência. No caso de um planeta do Sistema Solar, o plano de referência é o plano da órbita terrestre; no caso de um satélite, a referência é geralmente o plano equatorial do planeta.
planetária, o que implica apenas se poder determinar um limite inferior para a massa do planeta. Contudo, considerações estatísticas indicam que na maior parte dos casos, a verdadeira massa do planeta não será muito maior do que este limite).

A massa do novo planeta é sensivelmente a massa de Úrano
Úrano
É o sétimo planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 4 vezes superior ao da Terra é o terceiro planeta gigante gasoso. A sua característica mais marcante é o facto de o seu eixo de rotação estar inclinado cerca de 97º em relação à eclíptica.
, o menor dos planetas gigantes do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, estando assim na fronteira entre os planetas rochosos (como a Terra e Marte
Marte
Marte é o quarto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. É o último dos chamados planetas interiores. O seu diâmetro é cerca de 50% mais pequeno do que o da Terra e possui uma superfície avermelhada, sendo também conhecido como planeta vermelho.
) e os planetas gigantes gasosos. Mas encontra-se muito mais próximo de μ Ara (a 0,09 UA
unidade astronómica (UA)
Unidade de distância, definida como a distância média entre a Terra e o Sol, que corresponde a 149 597 870 km, ou 8,3 minutos-luz.
) do que Úrano se encontra do Sol.

Embora actualmente não seja possível saber a verdadeira natureza deste novo exoplaneta, os astrónomos especulam sobre o assunto. Segundo o actual paradigma de formação de planetas gigantes, o núcleo do planeta é formado, em primeiro lugar, através da acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
de planetesimais. Uma vez atingida a massa crítica, o planeta começa a acumular gás e a massa do planeta aumenta rapidamente. Uma vez que a massa do novo exoplaneta não é grande, esta última fase deverá ter sido curta. Por outro lado, existem indicações que a migração dos planetas, de órbitas maiores para órbitas menores, encurta o tempo de formação dos planetas. Assim sendo, o planeta não se deve ter formado muito longe da actual órbita, o que implica que a sua composição deva ser dominada por material rochoso preponderante na região mais próxima da estrela.

Este novo exoplaneta, com apenas 14 massas terrestres, poderá ser um planeta com um núcleo rochoso envolto num envelope fino de gás.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2004/pr-22-04.html#note2