Dois novos planetas extra-solares pertencem a uma nova classe

2004-05-25

Em cima: curva de luz das estrelas OGLE-TR-113 e OGLE-TR-132, observadas pelo levantamento OGLE; a diminuição do brilho das estrelas deve-se ao trânsito de planetas gigantes gasosos; as variações no brilho são da ordem dos 3% para OGLE-TR-113 e de 1% para OGLE-TR-132. No centro: variações na velocidade radial observadas pelo FLAMES no telescópio Kueyen do VLT (ESO); a forma sinusoidal reflecte a acção gravitacional do planeta na estrela. Em baixo: massa e raio para os exoplanetas até hoje observados em trânsito. Crédito: ESO.
Actualmente, conhecem-se mais de 120 planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
a orbitarem estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que não o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. A detecção dos planetas extra-solares
planeta extra-solar
Um planeta extra-solar é um planeta que não orbita o nosso Sol.
é geralmente feita através da técnica da velocidade radial, ou seja, pela detecção de variações na velocidade radial de uma estrela causadas pelo planeta que orbita essa estrela. Outro método de detecção de planetas extra-solares é o método do trânsito
trânsito
Designa-se por trânsito a passagem de um objecto astronómico à frente do disco de um objecto maior e mais longínquo. Por exemplo, o trânsito de Vénus diante do Sol.
, segundo o qual é detectada a diminuição da luz estelar causada pelo trânsito de um planeta que orbite essa estrela. Até agora, só um planeta extra-solar tinha sido descoberto pelo método do trânsito; e só um outro, HD 209458b, foi observado em trânsito, apesar de ter sido descoberto pelo método da velocidade radial.

O levantamento OGLE é um levantamento fotométrico do céu, originalmente concebido para detectar microlentes gravitacionais
efeito de microlente gravitacional
O efeito de microlente gravitacional é um caso particular do efeito de lente gravitacional - a deflexão da luz provocada pelo campo gravitacional de um objecto com massa que se encontra entre o observador e a fonte de luz. Chama-se microlente gravitacional quando não há distorção na imagem da fonte de luz, mas esta aumenta o seu brilho. Por exemplo, se uma pequena estrela próxima de nós passar exactamente entre nós e uma outra estrela mais distante, o campo gravitacional da estrela mais próxima actua como uma microlente e foca a luz da estrela mais distante, aumentando o seu brilho.
através da monitorização de um número elevado de estrelas em intervalos de tempo regulares. Mas nos últimos quatro anos, o OGLE também passou a incluir a procura de pequenas diminuições de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
em estrelas, que possam ser causadas pelo trânsito de objectos que orbitem a estrela, tais como pequenas estrelas, anãs castanhas
anã castanha
A anã castanha é uma estrela falhada cuja massa é insuficiente para permitir a fusão nuclear do hidrogénio em hélio no seu centro. No início das suas vidas, as anãs castanhas têm a fusão de deutério no seu núcleo central. Mesmo depois de esgotarem o deutério, as anãs castanhas radiam por conversão de energia potencial gravítica em calor e, como tal, emitem fortemente no domínio do infravermelho. De acordo com modelos, a massa máxima que uma anã castanha pode ter é de 0,08 massas solares (ou 80 massas de Júpiter). Estes objectos representam o elo que falta entre as estrelas de pequena massa e os planetas gasosos gigantes como Júpiter.
, ou planetas do tipo de Júpiter
planeta joviano
Designam-se por planetas jovianos aqueles que se assemelham a Júpiter, ou seja, planetas gigantes com superfícies gasosas. No Sistema Solar, são planetas jovianos Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno.
.

A equipa do OGLE anunciou 137 candidatos a trânsitos planetários no seu levantamento de cerca de 155000 estrelas nos dois campos do céu do Sul, um na direcção do centro galáctico e o outro na direcção da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
da Quilha. Os candidatos foram detectados pela presença de uma diminuição periódica da ordem de um por cento no brilho das estrelas observadas.

A presença de um trânsito não revela a natureza do corpo em trânsito. Isto porque o trânsito de uma estrela de pouca massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
, ou de uma anã castanha, assim como um sistema binário de brilho variável na mesma direcção que a estrela, mas mais longe, podem resultar em variações de brilho que simulam aqueles produzidos por um planeta gigante a orbitar a estrela. Por outro lado, a natureza do objecto em trânsito pode ser determinada pela variação da velocidade radial da estrela. A complementaridade dos dados do trânsito e da velocidade radial é particularmente fortuita: enquanto o método da velocidade radial só permite estimar um limite inferior da massa do planeta, se se juntar a informação obtida pelo método do trânsito, pode-se determinar a verdadeira massa e diâmetro do planeta, e consequentemente, a densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
média.

Uma equipa de astrónomos europeus, liderada por F. Bouchy (Laboratório de Astrofísica de Marselha) e que inclui o português Nuno Santos (Observatório Astronómico de Lisboa), obteve velocidades radiais para 41 dos candidatos propostos pelo OGLE. As observações foram realizadas com o espectrógrafo FLAMES/UVES montado num dos telescópios de 8,2 m do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
), o Kueyen. Este espectrógrafo multifibras permite obter simultaneamente espectros de alta resolução de 8 objectos diferentes. As velocidades estelares são medidas com uma precisão de cerca de 50 m/s.

As observações revelaram que a maioria dos candidatos do levantamento OGLE são sistemas binários, constituídos por uma estrela anã
estrela anã
Uma estrela anã, também dita estrela da sequência principal, é uma estrela não evoluída, que ainda se encontra na fase de fusão do hidrogénio em hélio, no seu núcleo.
fria a orbitar uma estrela do tipo do Sol. Mas dois candidatos, designados por OGLE-TR-113 e OGLE-TR-132, exibiram pequenas variações de velocidade radial. Reunindo toda a informação fotométrica e espectroscópica, os astrónomos concluíram que os objectos em trânsito nestas duas estrelas tinham massas compatíveis com as de um planeta gigante gasoso, do tipo de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
.

Os dois novos planetas descobertos orbitam estrelas bastante distantes, na direcção da constelação austral da Quilha. Para OGLE-TR-113, a estrela é de classe F (ligeiramente mais quente e de maior massa do que o Sol) e encontra-se a uma distância de 600 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
. O planeta que a orbita tem um diâmetro cerca de 10% superior ao de Júpiter e possui cerca de 35% mais massa do que Júpiter. O período orbital
período orbital
O tempo necessário para que um corpo descreva uma órbita completa e fechada em torno de outro corpo.
do planeta é de 1,43 dias e a sua distância à estrela é de apenas 3,4 milhões de quilómetros (0,0228 UA
unidade astronómica (UA)
Unidade de distância, definida como a distância média entre a Terra e o Sol, que corresponde a 149 597 870 km, ou 8,3 minutos-luz.
) – compare-se com Mercúrio
Mercúrio
Mercúrio é o planeta mais próximo do Sol. É o mais pequeno dos planetas rochosos, com um diâmetro cerca de 40% menor do que o da Terra.
, que orbita o Sol a uma distância 17 vezes maior! A temperatura da superfície do planeta, que tal como Júpiter, é um gigante gasoso, está provavelmente acima de 1800°C.

A distância ao sistema OGLE-TR-132 é de cerca de 1200 anos-luz. O planeta, com massa aproximadamente igual à de Júpiter e diâmetro cerca de 15% superior, orbita uma estrela anã de classe K (mais fria e de menor massa do que o Sol) em cada 1,69 dias, a uma distância de 4,6 milhões de quilómetros (0,0306 UA).

Os dois novos planetas, juntamente com o único trânsito planetário descoberto anteriormente, OGLE-TR-56, definem uma nova classe de planetas extra-solares que ainda não é detectável pelos actuais levantamentos de velocidades radiais: são planetas com períodos orbitais extremamente pequenos, a que correspondem pequenas órbitas
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
. Os levantamentos de velocidades radiais mostravam que a distribuição de períodos orbitais para os planetas gigantes diminuía drasticamente para períodos inferiores a 3 dias e não se conhecia nenhum planeta com um período orbital menor do que 2,5 dias.

A descoberta dos 3 planetas extra-solares do levantamento OGLE mostra que, afinal, os planetas gigantes gasosos muito quentes existem, embora possam ser muito raros – provavelmente, só um em cada 2500 a 7000 estrelas. Teoricamente, não é fácil explicar como é que esses objectos planetários conseguem permanecer em órbitas tão pequenas e próximas das estrelas que orbitam.

Este trabalho de investigação será publicado na revista científica Astronomy & Astrophysics. O trânsito OGLE-TR-113b foi recentemente confirmado por outra equipa de astrónomos.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2004/pr-11-04.html