VLT observa Titã com um novo instrumento

2004-05-17

Em cima: duas imagens simultâneas de Titã obtidas com o novo instrumento SDI, montado na câmara NACO, no telescópio YEPUN do VLT; a imagem da esquerda foi obtida a um comprimento de onda para o qual a atmosfera de Titã é praticamente transparente (1,575 µm), enquanto que a imagem da direita foi obtida no comprimento de onda de uma risca de metano (1,625 µm) e para o qual a atmosfera é totalmente opaca. No meio: o novo mapa de Titã cobre cerca de três quartos da superfície total e tem uma resolução de 0,06 segundos de arco (a que correspondem 360 km na superfície); o brilho é proporcional à reflectividade da superfície. Em baixo: uma imagem obtida quinze meses antes, a 1,3 µm, pelo telescópio YEPUN com a câmara NACO sem o SDI (à esquerda), é comparada a uma nova imagem da mesma região, obtida com o mesmo telescópio, mas com o SDI-NACO (à direita); note-se a maior claridade e contraste da mais recente imagem. Crédito: ESO.
Titã, a maior lua de Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
e a segunda maior lua do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
(só ultrapassada pela lua de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
Ganímedes), é o único satélite que se conhece que possui uma atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
densa. Tal como a atmosfera da Terra
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
, a atmosfera de Titã é composta essencialmente por azoto, mas também contém quantidades significativas de metano. Uma bruma opaca, de cor alaranjada, e nuvens de moléculas
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
orgânicas complexas impedem-nos de observar a superfície sólida de Titã. Contudo, recentes observações de radar e de espectroscopia sugerem a existência de enormes reservatórios de hidrocarbonetos líquidos à superfície, assim como um ciclo meteorológico baseado em metano, semelhante ao ciclo hidrológico na Terra. Confirmando-se, Titã torna-se no único local, para além da Terra, onde chove e existem oceanos líquidos à superfície, o que eleva ainda mais o interesse do estudo deste satélite.

A superfície de Titã tem sido alvo dos melhores e maiores telescópios do mundo. Nos anos 90, o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) obteve as primeiras imagens intrigantes da superfície deste satélite; em 2000 e 2001, foram os telescópios Keck
W. M. Keck Observatory
O Observatório W. M. Keck é operado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e pela NASA, e encontra-se localizado em Mauna Kea, no Havai. O observatório é constituído por dois telescópios gémeos de 10 metros, o Keck I e o Keck II.
II (Caltech/NASA), de 10 m, e Gemini Norte
Observatório Gemini
O Observatório Gemini é constituído por dois telescópios idênticos de 8,1 metros, um no Observatório de Mauna Kea, no Havai (Gemini Norte) e outro no Cerro Pachón, no Chile (Gemini Sul). As localizações estratégicas dos telescópios providenciam uma cobertura total do céu do Norte e do Sul. O Gemini é um consórcio internacional entre os Estados Unidos da América, o Reino Unido, o Canadá, o Chile, a Austrália, a Argentina e o Brasil, e é operado pela AURA.
, de 8 m, que apontaram para este satélite; e ainda mais recentemente, o telescópio YEPUN do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
), de 8,2 m, obteve imagens espectaculares com a câmara de óptica adaptativa
óptica adaptativa
A técnica de óptica adaptativa é um sistema óptico que se instala nos telescópios terrestres por forma a corrigir, em tempo real, os efeitos da turbulência atmosférica.
NACO. Todas estas observações realizaram-se através de um único filtro de banda estreita, escolhido de forma a pertencer a uma janela espectral para a qual a atmosfera de Titã é transparente. Mas embora as observações revelem informação sobre a superfície de Titã, as imagens incluem também a luz de diferentes camadas atmosféricas, o que é equivalente a observar a superfície de Titã através de um monitor parcialmente opaco, ou através de um nevoeiro.

Agora, o telescópio YEPUN do VLT voltou a observar Titã, mas utilizando o novo instrumento SDI (Simultaneous Differential Imager) montado na câmara de óptica adaptativa NACO. Uma campanha de observação de 6 noites (de 2 a 8 de Fevereiro de 2004) permitiu mapear uma grande porção da superfície de Titã - Titã apresenta sempre a mesma face a Saturno, de forma que a observação de toda a superfície do satélite requer quase um período orbital
período orbital
O tempo necessário para que um corpo descreva uma órbita completa e fechada em torno de outro corpo.
completo (16 dias).

O novo instrumento SDI permite obter simultaneamente 4 imagens de alta resolução em 3 comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
diferentes. As observações realizaram-se em torno da risca de absorção
risca de absorção
Uma risca de absorção é uma risca escura no espectro de luz. Corresponde à diminuição da intensidade da radiação num determinado comprimento de onda devido à absorção de energia para a transição de um electrão de um nível energético mais baixo para um nível energético mais elevado de um átomo ou molécula. As riscas de absorção, tal como as de emissão, contêm informação sobre a composição química e as condições físcicas do material que as produzem.
de metano atmosférico no infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
(1,625 mícron
mícron (µm)
O mícron (µm), ou micrómetro, é uma unidade de comprimento que corresponde à milésima parte do milímetro: 1µm = 10-3mm = 10-6 m.
), tendo em conta que, a 1,575 µm, existe uma estreita janela espectral para a qual a atmosfera é transparente. O novo mapa de Titã é obtido através da subtracção das imagens simultâneas: a imagem da atmosfera – obtida a 1,625 µm - é subtraída da imagem da superfície de Titã – obtidas a 1,575µm e 1,600 µm - de modo a remover as assinaturas da atmosfera presentes nas imagens da superfície.

Como se pode ver na imagem do meio, o mapa mostra a fracção de luz solar reflectida pela superfície de Titã - as regiões brilhantes reflectem mais do que as regiões mais escuras. A reflectividade depende da composição e estrutura da superfície, mas não é possível saber a natureza exacta da superfície através de um mapa como este. Contudo, as observações de radar realizadas com a antena de Arecibo indicavam a existência de reservatórios de hidrocarbonetos líquidos, o que permite sugerir que as regiões de menor reflectividade podem estar a indicar a localização desses supostos lagos. Presumivelmente, as regiões brilhantes, altamente reflectoras, são montanhas cobertas de gelo.

A comparação do novo mapa de Titã com as observações realizadas pelo VLT quinze meses antes permitem verificar as características gerais, mais permanentes, de Titã. Ao longo das longitudes mapeadas durante a presente campanha de observação, é óbvio que o hemisfério sul de Titã é dominado por uma única região brilhante centrada aproximadamente a 15° de longitude. Na área equatorial encontram-se as estruturas escuras bem definidas, de pouca reflectividade.

A equipa responsável por este estudo é liderada por M. Hartung (ESO-Chile) e também inclui astrónomos afiliados na Universidade do Arizona (EUA) e no Instituto Max-Planck para a Astronomia (Alemanha).

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2004/pr-09-04.html