Sombra de Titã revela surpresas

2004-04-28

Em cima: a trajectória de Titã sobre o fundo da nebulosa do Caranguejo durante o trânsito de Janeiro de 2003 (note-se o quão perto Titã passou do centro da nebulosa); e a imagem da sombra de Titã em raios-X, obtida pelo Chandra. Crédito: NASA/CXC/Penn State/K.Mori et al. (trajectória de Titã); NASA/CXC/ASU/J.Hester et al. (nebulosa de Caranguejo). Em baixo: ilustração de como o Chandra observou a sombra de Titã em raios-X - a nebulosa do Caranguejo é uma fonte brilhante em raios-X de forma que Titã, ao passar à sua frente, faz sombra na imagem. Crédito: CXC/M. Weiss.
A 5 de Janeiro de 2003, o Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) observou a passagem de Titã à frente da nebulosa
nebulosa
Uma nebulosa é uma nuvem de gás e poeira interestelares.
do Caranguejo. Titã é a maior lua de Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
e a única no Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
a possuir uma atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
espessa. Por sua vez, a nebulosa do Caranguejo é o remanescente de uma supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
cuja explosão foi observada em 1054. Apesar de Saturno e Titã passarem a poucos graus da nebulosa do Caranguejo em cada 30 anos, raramente ocorre um trânsito
trânsito
Designa-se por trânsito a passagem de um objecto astronómico à frente do disco de um objecto maior e mais longínquo. Por exemplo, o trânsito de Vénus diante do Sol.
. De facto, este pode ter sido o primeiro trânsito da nebulosa do Caranguejo por Titã desde a formação do remanescente de supernova. O próximo trânsito só ocorrerá em 2267.

A nebulosa do Caranguejo é uma fonte brilhante de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
, de modo que Titã, ao passar à frente da nebulosa, forma uma sombra na imagem de raios-X (ver ilustração). A precisão com que o Chandra acompanhou a posição de Titã durante o trânsito permitiu medir a pequena sombra de apenas um segundo de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
de diâmetro. O diâmetro da sombra de Titã é maior do que o diâmetro da sua superfície sólida. A diferença entre os diâmetros implica que a região de absorção da radiação
absorção de radiação
A absorção de radiação é um decréscimo da intensidade da radiação devido à energia dispendida na excitação ou ionização de átomos e moléculas do meio que atravessa.
X na atmosfera encontra-se a cerca de 880 km de altitude. Esta medida da extensão da atmosfera superior de Titã é ligeiramente acima (10 a 15%) do valor obtido com as observações realizadas pela Voyager I (NASA), em 1980, nos comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
do rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
, do infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
e do ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
.

Em 2003, Saturno encontrava-se 5% mais próximo do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
do que em 1980, tendo por isso sofrido um aumento de temperatura que poderá ter sido responsável, pelo menos em parte, pela expansão atmosférica.

A atmosfera de Titã é basicamente constituída por 95% de azoto e 5% de metano. À superfície, a pressão em Titã é cerca de 1,5 vezes a pressão na Terra ao nível do mar. A Voyager I estudou a estrutura da atmosfera de Titã a altitudes abaixo dos 500 km e acima dos 1000 km. Só agora, com as observações realizadas pelo Chandra, se obteve informação sobre a região entre os 500 e os 1000 km de altitude.

Compreender as possíveis modificações da extensão da atmosfera de Titã é essencial para o planeamento da missão Cassini-Huygens
Cassini-Huygens (NASA/ESA)
A missão Cassini-Huygens é uma missão conjunta da NASA e da ESA dedicada a Saturno que foi lançada no dia 13 de Outubro de 1997. Esta missão é composta por duas sondas: a sonda Cassini cujo objectivo principal é o estudo de Saturno, da sua atmosfera e do seu campo magnético, e a sonda Huygens cujo objectivo é o estudo da atmosfera do maior satélite de Saturno, Titã. O ponto alto desta missão será sem dúvida o pouso da sonda Huygens na superfície de Titã.
(NASA/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
). A sonda Cassini-Huygens alcançará Saturno em Julho deste ano para começar uma visita de 4 anos a Saturno, aos seus anéis e às suas luas. A visita incluirá voos de aproximação a Titã, que levarão Cassini a apenas 1000 km desta lua, e ainda o lançamento da sonda Huygens, que poisará na superfície de Titã. Se a atmosfera de Titã realmente expandiu, a trajectória desta missão poderá ter de ser alterada.

Um artigo descrevendo este trabalho de investigação será publicado no próximo mês na revista da especialidade Astrophysical Journal, tendo K. Mori (Universidade Estatal da Pensilvânia) como primeiro autor.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/04_releases/press_040504.html