Saturno observado em raios-X surpreende astrónomos

2004-03-26

Em cima: imagem de Saturno em raios-X, obtida pela cámara ACIS do Chandra (as flutuações fora do disco de Saturno são ruído). O código de cores indica o intervalo de energia da radiação: 0,4 a 0,6 keV - vermelho; 0,6 a 0,8 keV - verde; 0,8 a 1,0 keV - azul. A radiação X que se observa é a dispersão dos raios-X solares pela atmosfera de Saturno. Os famosos anéis de Saturno não são detectados, o que significa que estes não reflectem eficientemente os raios-X. Nota-se claramente a concentração da radiação X na região equatorial do planeta. Crédito: NASA/U. Hamburg/J.Ness et al. Em baixo: imagem de Saturno no óptico, obtida pelo Telescópio Espacial Hubble. A radiação visível de Saturno deve-se ao planeta reflectir a luz solar. Saturno é muito mais brilhante no óptico do que em raios-X e a estrutura dos seus anéis é claramente observada. Crédito: NASA/STScI.
Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
foi observado pelo Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) durante cerca de 20 horas em Abril de 2003. A imagem em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
deste planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
gigante e gasoso surpreendeu os astrónomos: Saturno apresenta a maior concentração de emissão de radiação X perto do seu equador. Este facto era inesperado, pois observações prévias de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
, também um gigante gasoso, mostraram uma maior concentração de emissão de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
X perto dos seus pólos.

O espectro de raios-X de Saturno é muito semelhante ao espectro de raios-X do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, o que é um forte indicador de que a emissão de radiação X de Saturno é, essencialmente, a dispersão dos raios-X solares pela atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
do planeta. Este é um fenómeno surpreendente, pois tendo em conta a intensidade da radiação X de Saturno, a sua atmosfera tem de reflectir 50 vezes mais eficientemente do que a Lua
Lua
A Lua é o único satélite natural da Terra.
!

Os 90 megawatts de raios-X observados da região equatorial de Saturno é aproximadamente consistente com as observações de raios-X da região equatorial de Júpiter. Este facto sugere que ambos os planetas gigantes gasosos
planeta joviano
Designam-se por planetas jovianos aqueles que se assemelham a Júpiter, ou seja, planetas gigantes com superfícies gasosas. No Sistema Solar, são planetas jovianos Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno.
reflectem os raios-X solares a taxas inesperadamente elevadas. Serão necessárias mais observações de Júpiter para testar esta possibilidade.

Durante o período das observações, só foi possível observar o pólo Sul de Saturno, pois o pólo Norte encontrava-se bloqueado pelos anéis do planeta. A fraca radiação X oriunda da região do pólo Sul de Saturno representa um outro enigma. O campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
de Saturno, tal como o de Júpiter, é mais forte perto dos pólos. A radiação X de Júpiter é mais intensa nos pólos por causa da actividade das auroras
aurora
A aurora é a luz emitida pelos iões da atmosfera terrestre, principalmente nos pólos geomagnéticos da Terra, estimulada pelo bombardeamento de partículas de alta energia ejectadas pelo Sol. As auroras aparecem dois dias depois das fulgurações solares, proporcionando um espectáculo de rara beleza, e atingem o seu pico cerca de dois anos depois do máximo de manchas solares. As auroras boreais e austrais são observáveis a latitudes elevadas no hemisfério Norte e hemisfério Sul, respectivamente.
, causadas pela interacção de partículas de alta energia do vento solar
vento solar
O vento solar é um vento contínuo de plasma quente que tem origem na coroa solar e preenche o espaço interplanetário do Sistema Solar. A 1 UA do Sol (ou seja, à distância da Terra ao Sol), a velocidade do vento solar é de cerca de 450 km/s e a densidade é aproximadamente 7 protões/cm3. O vento solar confina o campo magnético da Terra e é responsável por fenómenos como tempestades geomagnéticas e auroras. O Sol ejecta cerca de 10-13 da sua massa por ano via vento solar.
com o campo magnético do planeta. Como se têm observado auroras ultravioletas
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
espectaculares nos pólos de Saturno, os astrónomos esperavam que o pólo Sul de Saturno fosse brilhante em raios-X, o que não se revelou. Não é ainda claro se é o mecanismo das auroras que não produz raios-X em Saturno, ou se, por algum motivo, o planeta concentra os raios-X no pólo Norte.

Outro resultado interessante das observações é que os anéis de Saturno não foram detectados em raios-X. Isto implica que os anéis de Saturno são menos eficientes a dispersar os raios-X do que o próprio planeta.

A mesma equipa de astrónomos também detectou radiação X de Saturno utilizando o observatório XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
(ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
). Embora essas observações não pudessem localizar os raios-X no disco de Saturno, a intensidade da radiação X observada aproxima-se da intensidade da radiação detectada agora com o Chandra e é consistente com uma detecção de radiação X de Saturno feita em 2000 utilizando o satélite ROSAT
ROentgen SATellite (ROSAT)
O observatório espacial de raios-X ROSAT foi uma missão internacional entre a Alemanha, os Estados Unidos da América e o Reino Unido, lançada em 1990 e terminada em 1999. Dois instrumentos principais foram a bordo do satélite: um telescópio de raios-X e uma câmara de campo largo com o seu próprio sistema de espelhos.
(ESA).

J. Ness (Universidade de Hamburgo, Alemanha) é o autor principal dum artigo sobre estas observações que será publicado na revista científica Astronomy and Astrophysics.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/04_releases/press_030804.html