As galáxias mais distantes: observações a partir do Espaço

2004-03-12

Em cima: quase 10000 galáxias são visíveis nesta imagem do Campo Ultra Profundo do Hubble (HUDF) – o retrato mais profundo do Universo. Esta imagem, obtida pela câmara ACS, revela galáxias com desvios para o vermelho até 7 – ou seja, quando o Universo tinha apenas 800 milhões de anos. Crédito: NASA, ESA, and S. Beckwith (STScI) and the HUDF Team. Em baixo: esta imagem do HUDF no infravermelho próximo, obtida com a câmara NICMOS, revela galáxias ainda mais distantes, com desvios para o vermelho de 12. Crédito: NASA, ESA, and R. Thompson (Univ. Arizona).
Há uma semana, o ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
anunciou ter descoberto uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
com um desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
de 10 (correspondente a 13 230 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância), batendo folgadamente o recorde da galáxia mais distante que se conhecia até então. Agora, uma imagem obtida com o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) revela o retrato mais profundo do Universo visível. A exposição de um milhão de segundos de uma região que recebeu o nome de Campo Ultra Profundo do Hubble (HUDF, do inglês Hubble Ultra Deep Field) revelou galáxias com desvios para o vermelho até 12.

Na verdade, existem duas imagens independentes do HUDF, uma obtida pela câmara ACS (do inglês Advanced Camera for Surveys) e a outra, pela câmara de infravermelhos
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
NICMOS (do inglês Near Infrared Camera and Multi-Object Spectrometer). Segundo M. Stiavelli (Instituto de Ciências Espaciais, EUA), líder do projecto Hubble Ultra Deep Field, com estas novas imagens, o Hubble leva-nos quase até ao Big Bang.

A combinação das imagens do ACS e do NICMOS serão utilizadas para procurar galáxias que existiram na época entre os 400 e os 800 milhões de anos depois do Big Bang, correspondente a um desvio para o vermelho entre 12 e 7. É o fim da Idade das Trevas (época em que o Universo era frio e opaco) e a altura em que emergiram as primeiras galáxias. Uma questão chave para os astrónomos é saber se o Universo nessa época era semelhante ao Universo com uma idade entre 1 e 2 mil milhões de anos.

O campo HDUF contém cerca de 10000 galáxias embora tenha uma extensão de apenas um décimo do diâmetro da Lua Cheia
Lua Cheia
Lua Cheia é a fase da Lua quando esta se encontra em oposição relativamente ao Sol; quando observada a partir da Terra, a Lua exibe toda a sua superfície iluminada.
. Contudo, nas imagens obtidas com telescópios na Terra, esta região do céu, localizada na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
da Fornalha (abaixo da constelação do Orionte), quase que não contém galáxias. As imagens obtidas pela câmara ACS incluem galáxias de todos os tamanhos, formas e cores. Em contraste com as clássicas espirais e elípticas, aparecem galáxias das mais estranhas e variadas formas, parecendo palitos, ou pulseiras, e algumas parecem estar a interagir. Estas estranhas galáxias são representativas de um período em que o Universo era mais caótico do que é hoje.

A câmara ACS foi instalada durante a última missão de serviço ao Telescópio Espacial Hubble e tem duas vezes o campo de visão e uma maior sensibilidade do que a câmara mais antiga, a WFPC2 (do inglês Wide Field Planetary Camera 2).

A câmara de infravermelhos NICMOS alcança distâncias ainda mais longínquas do que a ACS, pois a expansão do Universo causou o desvio da radiação visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
para a região espectral do infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
. Enquanto se procuram galáxias com desvios para o vermelho até 7 na imagem obtida com a ACS, a NICMOS pode ter detectado galáxias com desvios para o vermelho de 12.

Telescópios na Terra – o VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
e o Telescópio Keck
W. M. Keck Observatory
O Observatório W. M. Keck é operado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e pela NASA, e encontra-se localizado em Mauna Kea, no Havai. O observatório é constituído por dois telescópios gémeos de 10 metros, o Keck I e o Keck II.
- já detectaram objectos que existiram 500 e 800 milhões de anos depois do Big Bang (ver notícias de 29/02/2004 e 11/03/2004), ou seja, com desvios para o vermelho de 10 e 7. Mas a técnica de observação é totalmente diferente. Os telescópios na Terra aproveitaram o efeito gravitacional de um enxame de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
para detectarem as galáxias distantes. Tal não acontece com as imagens do Hubble. A imagem da ACS requereu uma série de exposições tiradas ao longo de 400 órbitas
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
do Hubble à volta da Terra - as observações do HUDF começaram a 24 de Setembro de 2003 e continuaram até 16 de Janeiro de 2004.

Espera-se que estas novas observações galvanizem a comunidade astronómica, dando origem a muitos artigos de investigação com novas visões da formação e evolução das galáxias.

Fonte da notícia: http://www.spacetelescope.org/news/html/heic0406.html