Lente gravitacional revela o coração de uma galáxia distante

2004-03-04

Devido à força gravítica originada pela galáxia, os raios de luz de um quasar distante são encurvados dando origem às múltiplas imagens observadas. Um observador em Terra vê o mesmo quasar em diferentes posições, mas não na sua posição real.
Existem muitos exemplos de uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
a actuar como lente gravitacional
efeito de lente gravitacional
O efeito de lente gravitacional consiste na deflexão da luz provocada pelo campo gravitacional muito forte de um objecto que se encontra entre o observador e a fonte de luz. Por exemplo, uma galáxia, ou um enxame de galáxias, que se encontre entre nós e um objecto astronómico muito distante, como um quasar, pode actuar como uma lente gravitacional. Tipicamente, o efeito de lente gravitacional faz com que se observe, numa única fotografia, mais do que uma imagem do mesmo objecto.
, produzindo múltiplas imagens dos objectos que se encontram na mesma direcção que a galáxia, mas mais distantes. Contudo, um mistério tem persistido ao longo de mais de 20 anos: a Teoria Geral da Relatividade prevê que se forme um número ímpar de imagens do objecto distante, e no entanto, em quase todas as lentes gravitacionais observadas, detectam-se 2 ou 4 imagens do objecto. Agora, o astrónomo J. Winn (Centro Smithsonian para a Astrofísica, EUA) e os seus colaboradores identificaram uma terceira imagem central de um quasar
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
observado através de uma lente gravitacional. As observações em rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
do sistema conhecido por PMN J1632-0033, na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
de Ofiúco, permitiram a detecção de uma imagem central muito pouco brilhante. E se a descoberta da terceira imagem resultante do efeito de lente gravitacional é já em si um acontecimento extraordinário, é igualmente importante o facto desta imagem permitir estudar pormenores da galáxia que actua como lente gravitacional, nomeadamente o buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
elevada que se pensa residir no seu centro.

Os quasares são objectos muito distantes e muito luminosos, que se acredita serem os núcleos de galáxias activas
galáxia activa
Uma galáxia diz-se activa quando emite quantidades excepcionalmente elevadas de energia. São exemplo de galáxias activas as galáxias Seyfert, as radiogaláxias, os quasares e as galáxias com surtos de formação de estrelas (starburst galaxies).
, cuja fonte de energia é um buraco negro central de massa muito elevada. A lente gravitacional faz com que a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
emitida pelo quasar, ao passar pela galáxia que actua como lente, seja encurvada pelo campo gravitacional da galáxia, tal como quando a luz passa por uma lente de vidro, e formam-se múltiplas imagens do quasar. Quanto mais denso o centro da galáxia, maior o campo gravitacional e menos brilhante a imagem central. No entanto, esta imagem central é formada pela radiação que passou mais próxima do centro da galáxia, e por isso pode dizer-nos muito sobre o núcleo da galáxia. Este facto torna a descoberta das imagens centrais particularmente interessante.

No sistema PMN J1632-0033, um quasar está a sofrer o efeito de lente gravitacional provocado por uma galáxia elíptica; o quasar encontra-se a cerca de 11,5 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
(desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
z=3,42) e a galáxia que serve de lente está a aproximadamente 8 mil milhões de anos-luz (desvio para o vermelho z~1). Já se conheciam duas imagens do quasar, e suspeitava-se que uma fonte de rádio, muito fraca, pudesse ser a terceira imagem (a imagem central). Mas como a fonte se encontra exactamente em cima da galáxia que provoca o efeito de lente, era preciso ter a certeza que a fonte não era intrínseca à galáxia.

Observando os espectros das 3 imagens obtidos com os radiotelescópios VLA
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
e VLBA
Very Large Baseline Array (VLBA)
O VLBA é um sistema de dez radiotelescópios, espalhados pelos EUA continental e os seus territórios nas Ilhas Virgens e no Havai. Os radiotelescópios podem operar simultaneamente e são controlados remotamente em Socorro (Novo México). Cada estação do VLBA consiste numa antena com um prato de 25 m e um edifício de controlo. O VLBA é operado pela NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
, Winn e os seus colegas juntaram evidências fortes que sustentam que a terceira fonte é de facto a imagem central do quasar. O seu espectro é idêntico ao das outras duas imagens, excepto a frequências
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
baixas (comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
longos), onde parte da energia foi absorvida pela galáxia que provoca o efeito de lente.

A geometria e as propriedades do quasar nas três imagens permitem-nos estudar um pouco o núcleo da galáxia que causa o efeito de lente. Por exemplo, pode deduzir-se que o seu buraco negro central tem uma massa inferior ao equivalente a 200 milhões de sóis. Também se infere que a sua densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
superficial (quantidade de matéria projectada no plano do céu) no local onde aparece a imagem central é mais de 20000 massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
por parsec
parsec (pc)
O parsec (pc) é uma unidade de distância que equivale à distância a que nos teríamos de colocar para ver a distância Terra-Sol com uma separação angular igual a 1 segundo de arco. 1 parsec = 3,0856x1013 km = 206264,81 unidades astronómicas = 3,26 anos-luz.
quadrado (compare-se com a densidade superficial da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
na vizinhança do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, que é cerca de 50 massas solares por parsec quadrado). Estes dois valores concordam com o que se esperava com base nas observações de galáxias centenas de vezes mais próximas da Terra.

Quase todo o nosso conhecimento dos centros das galáxias vem do estudo das galáxias próximas de nós. É extremamente útil o facto das imagens centrais, quando detectadas, poderem fornecer-nos informação sobre o núcleo de galáxias que se encontram centenas de vezes mais longe e que são milhares de milhões de anos mais jovens do que as galáxias nossas vizinhas.

Este trabalho de investigação encontra-se publicado na revista científica Nature de Fevereiro de 2004.

Fonte da notícia: http://cfa-www.harvard.edu/press/pr0405.html