Galáxia mergulha fatalmente no coração de um enxame de galáxias

2004-02-10

Imagens em diferentes comprimentos de onda da galáxia espiral C153. A primeira imagem é uma composição das 4 imagens seguintes e mostra torrentes de gás arrancado da galáxia. A imagem seguinte, à esquerda, foi obtida pelo Hubble no visível e revela as regiões de formação de estrelas e o padrão caótico da poeira em C153. À direita, a imagem obtida com o telescópio Mayall no visível isolou a luz emitida pelo gás de oxigénio e mostra a cauda de gás que se estende em torrentes com mais de 200 000 anos-luz. A imagem em baixo e à esquerda foi obtida no rádio pelo VLA e mostra as partículas de alta energia a escaparem-se do campo magnético da galáxia e algumas a escaparem-se na direcção perpendicular do disco – talvez devido a um buraco negro central tornado activo com a colisão dos dois enxames de galáxias. Por fim, em baixo e à direita, a imagem em raios-X obtida pelo Chandra, que mostra a cauda de gás que se estende de C153 e que coincide grosseiramente com a cauda observada no óptico. Crédito: NASA, W. Keel (U. Alabama), F. Owen (NRAO), M. Ledlow (Gemini Obs.) & D. Wang (U. Mass.).
Torrentes de gás estendem-se por 200 000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, resultado da destruição de uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
que outrora se assemelhava à nossa Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
e que agora mergulha a 7 milhões de quilómetros por hora no coração de um enxame de galáxias distante. A colisão com o gás do enxame é invulgarmente violenta e a galáxia será desfeita até só restar o seu esqueleto de braços espirais
braço espiral
Um braço espiral de uma galáxia é uma estrutura curva no disco de uma galáxia espiral (ou, em alguns casos, de uma galáxia irregular), constituída por estrelas jovens, aglomerados de estrelas, nebulosas, gás e poeiras.
e esvaziada de hidrogénio que permita formar novas estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
.

Parece que a última dádiva desta galáxia a despedaçar-se é oferecer novas pistas para a solução do mistério: o que é que acontece às galáxias espirais no Universo violento? Imagens do Universo jovem mostram que as galáxias espirais já foram muito mais abundantes nos enxames de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
mais ricos, mas parecem ter desaparecido com o tempo cósmico – para onde foram?

Uma equipa de astrónomos, liderados por W. Keel (Universidade do Alabama, EUA), utilizou uma variedade de telescópios e técnicas de análise para investigar o que está a acontecer a esta galáxia, chamada C153, dentro do enxame de galáxias. Observações paralelas em diferentes comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
mostram como as estrelas, o gás e a poeira estão a ser lançados de um lado para o outro e arrancados da galáxia C153. Embora já se tenham observado galáxias a serem distorcidas e destruídas em colisões deste tipo, este caso é particularmente violento e rápido. A galáxia pertence a um enxame de galáxias que colidiu com outro enxame de galáxias há cerca de 100 milhões de anos. C153 caiu numa trajectória que atravessa exactamente o centro do enxame com o qual colidiu, onde a densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de gás e de galáxias é mais elevada.

A primeira sugestão desta mutilação galáctica surgiu em 1994, quando o radiotelescópio VLA
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
) detectou um número elevado de radiogaláxias
radiogaláxia
Uma galáxia muito luminosa nos comprimentos de onda do rádio é chamada de radiogaláxia. Estão normalmente associadas a galáxias gigantes elípticas.
neste enxame de galáxias chamado Abell 2125. As fontes de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
estão associadas tanto a formação de estrelas como a buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
no centro de galáxias. As observações em rádio mostraram ainda que a galáxia C153 se distinguia das restantes como uma fonte de rádio excepcionalmente forte.

A equipa de Keel iniciou um extenso programa de observações da galáxia C153. As observações em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
realizadas pelo satélite ROSAT
ROentgen SATellite (ROSAT)
O observatório espacial de raios-X ROSAT foi uma missão internacional entre a Alemanha, os Estados Unidos da América e o Reino Unido, lançada em 1990 e terminada em 1999. Dois instrumentos principais foram a bordo do satélite: um telescópio de raios-X e uma câmara de campo largo com o seu próprio sistema de espelhos.
demonstraram que o enxame Abell 2152 contém grandes quantidades de gás a envolver as galáxias, a uma temperatura de 20 milhões de graus Kelvin. O gás encontra-se concentrado principalmente em dois locais, em vez de estar bem distribuído pelo enxame que é o que normalmente acontece. Este resultado aumentou a suspeita de que se tratava de dois enxames de galáxias em colisão.

Nos finais dos anos 90, os astrónomos utilizaram o telescópio de 4 metros Mayall e o de 3,5 metros WIYN, ambos no Observatório Nacional de Kitt Peak
Kitt Peak National Observatory (KPNO)
O Observatório Nacional de Kitt Peak (KPNO) faz parte dos observatórios da NOAO e inclui diversos telescópios ópticos, de infravermelhos e um telescópio solar, além de operar, em consórcio, 19 telescópios ópticos e dois radiotelescópios. O KPNO situa-se a 90 km de Tucson, no Arizona (EUA).
(NOAO
National Optical Astronomy Observatory (NOAO)
O Observatório Nacional de Astronomia no Óptico norte-americano (NOAO) foi formado em 1982 para consolidar os observatórios nacionais de Kitt Peak (Arizona), de Cerro Tololo (Chile) e Solar (Arizona). Mais recentemente, o Observatório Nacional Solar tornou-se independente. O NOAO é também o representante norte-americano no projecto internacional do Observatório Gemini. O NOAO é financiado pela NSF e operado pela AURA.
), para observar espectroscopicamente o enxame de galáxias. Detectaram um número elevado de sistemas de formação de estrelas e buracos negros activos, provavelmente consequências da colisão. A galáxia C153 destacou-se quando os telescópios fizeram mapas a cores do enxame de galáxias.

Os astrónomos utilizaram ainda o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) para observar a forma de C153. Descobriram que a galáxia é invulgarmente pouco homogénea, com muitos aglomerados de estrelas jovens e marcas caóticas de poeira. Para além de vestígios de destruição no disco da galáxia, o Hubble também mostrou que a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
emitida pela cauda da galáxia é essencialmente devido a formação de estrelas recente, o que é indicador do efeito da passagem de C153 pelo centro do enxame de galáxias – o gás comprimido ao longo do bordo da galáxia deu origem ao surto de formação de estrelas. As observações espectroscópicas (no óptico) obtidas com o telescópio Gemini Norte
Observatório Gemini
O Observatório Gemini é constituído por dois telescópios idênticos de 8,1 metros, um no Observatório de Mauna Kea, no Havai (Gemini Norte) e outro no Cerro Pachón, no Chile (Gemini Sul). As localizações estratégicas dos telescópios providenciam uma cobertura total do céu do Norte e do Sul. O Gemini é um consórcio internacional entre os Estados Unidos da América, o Reino Unido, o Canadá, o Chile, a Austrália, a Argentina e o Brasil, e é operado pela AURA.
também mostraram evidências de formação de estrelas e permitiram aos investigadores calcularem há quanto tempo ocorreu o último surto de formação de estrelas.

Esta conclusão foi ainda confirmada pela câmara do telescópio Mayall, que encontrou uma longa cauda gás a sair da galáxia. A cauda foi, aparentemente, gerada em parte pelos ventos estelares das recentes regiões de formação de estrelas e está a ficar para trás à medida que a galáxia avança pelo gás quente do enxame de galáxias.

As observações espectroscópicas realizadas com o telescópio Gemini Norte permitiram determinar que cerca de 90% da luz azul de C153 deve-se a uma população de estrelas que têm 1000 milhões de anos. Esta idade corresponde à altura em que a galáxia deve ter atravessado o gás mais denso do centro do enxame de galáxias. As observações mostraram ainda que as estrelas encontram-se em movimento orbital à volta do centro da galáxia, tal como em galáxias normais com disco. Contudo, há múltiplas nuvens de gás a moverem-se independentemente das estrelas, o que é uma importante indicação de que algo para além das forças gravitacionais tem de estar presente, pois tanto as estrelas como o gás respondem da mesma forma a forças puramente gravitacionais.

O Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA) descobriu que as nuvens mais frias detectadas com os outros telescópios ópticos, assim como a fonte de emissão de rádio, estão embebidas numa cauda muito maior de gás muito quente, a 20 milhões de graus Kelvin. Os dados do Chandra indicam que este gás quente foi provavelmente enriquecido de elementos químicos pesados
metal
Em Astronomia, todos os elementos químicos de número atómico superior ao do hélio são designados por metais, ou por elementos pesados.
pelo surto de formação de estrelas e arrancado da galáxia pelo seu movimento supersónico através da nuvem de gás muito maior que permeia o enxame de galáxias.

As observações, complementares entre si, oferecem evidências de que a pressão externa do gás do enxame de galáxias Abell 2125 está a arrancar o gás de C153. Este processo foi há muito sugerido para explicar a evolução dos enxames de galáxias. A consequência do processo já tem sido observado, por exemplo, no Sexteto de Seyfert e no Quinteto de Stefan.

A galáxia C153 está destinada a perder os últimos vestígios dos seus braços espirais e a tornar-se uma galáxia de tipo S0, com um bojo central e um disco, mas sem estrutura espiral. Este tipo de galáxia é comum nos enxames de galáxias densos da nossa época.

Fonte da notícia: http://hubblesite.org/newscenter/newsdesk/archive/releases/2004/02/text/