VLT detecta fulgurações infravermelhas provenientes de Sgr A*

2004-03-12

Curva de luz de Sgr A* no infravermelho. Crédito: ESO/R. Genzel et al.
Na madrugada do dia 9 de Maio de 2003, em plena sessão de observação com um dos telescópios do VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
), uma equipa de astrónomos descobriu radiação infravermelha
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
emitida pelo material em queda para o buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
muito elevada, designado por Sgr A*, que existe no centro da nossa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
.

Os astrónomos começaram por ficar espantados com a presença daquilo que parecia ser uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
desconhecida bem no centro da região mais central da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. Contudo, passados poucos minutos a tal estrela desapareceu nas imagens seguintes que foram obtidas. Concluíram imediatamente tratar-se de uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
, devida a material aquecido em queda para o buraco negro central - algo que se tenta observar directamente no infravermelho desde há uma década, mas até agora sem qualquer êxito.

Uma análise cuidada das observações revelou que a emissão infravermelha é originada a algumas milésimas de segundo de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
da posição do buraco negro (correspondendo a um afastamento de algumas horas-luz), e varia em escalas de tempo da ordem dos minutos. Isto prova que a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
infravermelha provém da vizinhança imediata exterior do chamado horizonte de acontecimentos do buraco negro, isto é, a superfície de não-retorno da qual nem a luz consegue escapar. A rápida variabilidade observada nos dados indica claramente que a região em torno deste horizonte deve possuir propriedades caóticas, à semelhança do que se observa, por exemplo, em fulgurações no nosso Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
.

O aspecto mais saliente destas observações é a aparente periodicidade, de 17 minutos, exibida pelas curvas de luz de duas das fulgurações detectadas. Se a periodicidade é devida ao movimento orbital do gás em torno do buraco negro, a conclusão inevitável é a de que o buraco negro deve estar em rotação rápida.

Estas observações permitem testar as previsões da Relatividade Geral
Teoria da Relatividade Geral
A Teoria da Relatividade Geral foi formulada por Albert Einstein em 1916 como expansão da Teoria da Relatividade Restrita (formulada em 1905) de forma a incluir o efeito da gravitação no espaço-tempo. Esta teoria propõe que o espaço-tempo é uma estrutura quadri-dimensional cuja curvatura é determinada pela presença de matéria. Neste sentido, a gravitação manifesta-se como curvatura do espaço-tempo, e não como uma força entre duas massas.
. De acordo com Reinhard Genzel, investigador principal do projecto, esta descoberta marca realmente o início duma nova era, o domínio observacional da Física dos buracos negros. Sabe-se da teoria que um buraco negro possui apenas três características: massa, momento angular, e carga eléctrica. Em 2003, esta mesma equipa de investigadores conseguiu provar a existência dum buraco negro no centro da Via Láctea, tendo determinado a sua massa. Se a periodicidade agora registada for de facto o tempo orbital da matéria em queda para o buraco negro, fica também medido pela primeira vez o seu momento angular. O valor estimado é de cerca de metade do valor máximo permitido pela teoria.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2003/pr-26-03.html