Tempestades de gás quente e frio assolam a atmosfera turbulenta de Betelgeuse

2004-02-06

Novas observações de Betelgeuse, realizadas com o Telescópio Espacial Hubble, mostram que gás quente da parte superior da cromosfera da supergigante está presente no interior do seu envelope exterior de gás frio e poeirento. Nesta visão artística representam-se ondas de choque a cruzarem a cromosfera (em violeta e azul) e a entrarem no envelope, mais frio, de poeira (a laranja e negro). As ondas produzem o gás quente que se mistura com o gás frio. Crédito: Alex Lobel (Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics).
Novas observações realizadas com o espectrógrafo STIS do Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) mostram que a atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
quente de Betelgeuse
Betelgeuse
Betelgeuse, ou Alfa Orionis, é a décima estrela mais brilhante do céu, a 427±76 anos-luz. É uma estrela supergigante vermelha, de classe M2. A sua luminosidade é 5000 vezes superior à do Sol, e o seu diâmetro é centenas de vezes maior do que o do Sol. Betelgeuse é uma estrela variável semi-regular, cuja magnitude visual média é 0,5, mas oscila entre 0,0 e 1,3 num período de vários anos.
, uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
supergigante bem conhecida, se estende por mais de 50 vezes o seu raio na luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
, uma extensão cinco vezes maior do que a órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de Neptuno
Neptuno
Neptuno é, a maior parte do tempo, o oitavo planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas por vezes é o nono, quando Plutão, na sua órbita excêntrica, se aproxima mais do Sol. Neptuno, de cor azulada devido à presença de metano na sua atmosfera, possui uma atmosfera onde ocorrem tempestades e ventos violentos. Com um diâmetro cerca de 4 vezes o da Terra, Neptuno é o menor e mais longíquo dos planetas gigantes gasosos.
.

O STIS detectou a assinatura espectral de gás quente e ténue situado em regiões remotas, frias e poeirentas da gigantesca atmosfera de Betelgeuse - a estrela mais brilhante da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
de Orionte. A equipa de investigadores, chefiada por Alex Lobel do Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica (EUA), descobriu que a acção borbulhante da cromosfera
cromosfera solar
A cromosfera é a região da atmosfera do Sol imediatamente acima da fotosfera e abaixo da coroa solar. A densidade vai decrescendo e a temperatura vai subindo rapidamente à medida que nos afastamos da superfície do Sol. Na baixa cromosfera, mais densa (10-8 a 10-13 g/cm3), constituída por hidrogénio neutro frio (a 7500 K) e que se estende por cerca de 4000 km; e a alta cromosfera, com uma extensão de 12 000 km, menos densa (10-16 g/cm3) e formada por hidrogénio ionizado quente (106 K). É na cromosfera solar que ocorrem muitos dos fenómenos de actividade solar: as espículas, as regiões activas, as proeminências e os filamentos, e as fulgurações solares.
expele gás de um lado da estrela, enquanto este cai para dentro da estrela do outro lado.

Antes desta descoberta, já telescópios em Terra tinham detectado gás quente na cromosfera ténue da estrela até cerca de cinco vezes o raio da estrela, uma extensão maior do que a órbita de Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
. Compare-se com a superfície da fotosfera de Betelgeuse, que é aproximadamente do tamanho da órbita de Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
.

Quando a chama de um fósforo aquece o ar que está por cima, o calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
dispersa-se rapidamente no ar frio circundante. Na atmosfera superior de Betelgeuse, os gases frios e quentes misturam-se, mas o gás quente não se dissipa totalmente, persistindo até locais onde se encontra gás muito mais frio. Os espectros no ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
obtidos pelo STIS mostram que partes remotas da cromosfera contêm gás quente, a temperaturas acima dos 2600 graus Kelvin. No entanto o gás vizinho é muito mais frio, não passando dos 1500 graus Kelvin. Temperaturas mais altas destruiriam as partículas de poeira que brilham no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
a uma grande distância da supergigante.

Os astrónomos têm avançado com várias explicações para a presença simultânea de gás frio e quente na parte superior da cromosfera desta estrela supergigante. Uma das explicações envolve ondas de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
que atravessam a cromosfera. A frente de choque comprime o gás, aquecendo-o. Do mesmo modo, o gás é arrefecido na zona em que a onda de choque provoca uma expansão. As novas observações mostram também que o fluxo de gás quente acelera a grandes distâncias na alta cromosfera e no envelope de poeira, o que apoia o modelo das ondas de choque. Se atmosfera fosse estática, as diferenças de temperatura desapareceriam com a troca natural de calor. Existem também outros modelos sem ondas de choque que consideram oscilações na cromosfera.

Quando grandes volumes de ar quente e frio colidem na atmosfera da Terra
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
, geram-se tempestades tropicais devastadoras com ventos capazes de levantar carros. De um modo semelhante, a cromosfera de Betelgeuse é muito turbulenta. Os dados do STIS mostram que a velocidade da turbulência é superior à velocidade do som local.
A busca das razões que levam à produção de cromosferas à volta de estrelas começou há décadas com observações do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, cuja cromosfera se estende acima da superfície apenas uns poucos porcento do raio. Uma em cada milhão de estrelas na nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
é uma supergigante como Betelgeuse, que mesmo a uma distância de 425 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
é a sétima estrela mais brilhante visível do hemisfério Norte. As novas observações da sua insufladíssima cromosfera são uma importante contribuição para essa busca.

Fonte da notícia: http://cfa-www.harvard.edu/press/pr0403.html