Dois aglomerados de galáxias recordistas

2004-01-22

Em cima: imagem em raios-X do enxame de galáxias RDCS 1252.9-2927, obtida pelo Chandra, mostrando a emissão do gás que se encontra a 70 milhões de graus centígrados. Crédito: NASA/CSC/ESO/P.Rosati et al. No meio: imagem no óptico do núcleo do enxame RDCS 1252, obtida pelo Hubble. Crédito: NASA/ESA/J.Blakeslee (JHU)/M.Postman (STScI)/P.Rosati (ESO). Em baixo: imagem no óptico do enxame TN J1338-1942, obtida pelo Hubble. Crédito: NASA/ESA/G. Miley & R. Overzier (Leiden Observatory).
Observando quase 9 mil milhões de anos para trás no tempo, uma equipa internacional de astrónomos encontrou galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
quase adultas no Universo ainda jovem. As galáxias são membros dum enxame de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
, RDCS 1252.9-2927, que existia quando o Universo tinha apenas 5 mil milhões de anos, ou seja, 35% da idade actual. Esta evidência de que as galáxias devem ter começado a formar-se logo depois do Big Bang levou a que os astrónomos procurassem galáxias ainda mais recuadas no tempo. E a equipa encontrou embriões de galáxias a uns meros 1,5 mil milhões de anos após o nascimento do Universo, ou seja, quando este tinha 10% da sua idade de hoje. As galáxias "bebés" residem num enxame de galáxias ainda em desenvolvimento, TN J1338-1942, que é o proto-enxame de galáxias mais distante até agora observado.

Os dois enxames, RDCS 1252 e TN J1338, foram observados com a câmara ACS do Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
) e com o Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA).

O primeiro estudo das imagens do Hubble estimou que as galáxias em RDCS 1252 formaram a maior parte das suas estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
há mais de 11 mil milhões de anos (a desvios para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
maiores do que 3). O trabalho foi publicado na revista da especialidade Astrophysical Journal em Outubro de 2003, num artigo que tem J. Blakeslee (Universidade Johns Hopkins, EUA) como primeiro autor.

O segundo estudo das imagens do Hubble desvendou pela primeira vez o proto-enxame de galáxias "bebés" TN J1338-1942, que já existia há mais de 12 mil milhões de anos. Estas galáxias são tão jovens que os astrónomos ainda podem ver o surto de estrelas a se formarem nelas. Estes resultados foram publicados em Janeiro de 2004, na revista científica Nature, num artigo assinado por G. Miley (Observatório de Leiden, Holanda) como primeiro autor.

Até recentemente, pensava-se que os aglomerados de galáxias só tinham começado a formar-se quando o Universo tinha cerca de 5 mil milhões de anos. Até porque as possibilidades técnicas de observação não permitiam observar mais longe do que perto de 8 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
.

Agora, as conclusões destes estudos vêm apoiar as observações e teorias que dizem que as galáxias se formaram muito cedo na história do Universo. A existência de enxames de galáxias no Universo jovem está de acordo com o modelo cosmológico em que os enxames se formam a partir da fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de muitos subenxames, num Universo dominado por matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
fria. Contudo, a natureza da matéria escura fria é ainda desconhecida.

Mas como é que as galáxias podem evoluir tão depressa depois do Big Bang? Estes aglomerados de galáxias cresceram assim tão rapidamente porque se encontravam em regiões muito densas, de modo que havia material para formar as galáxias. Esta ideia é apoiada pelas observações em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
do enxame RDCS 1252.

As observações realizadas com o Chandra, juntamente com as realizadas pelo XMM-Newton
X-ray Spectroscopy Multi-Mirror Mission (XMM-Newton)
Satélite de raios-X da Agência Espacial Europeia colocado em órbita no dia 10 de Dezembro de 1999, com a ajuda de um foguetão Ariane 5. Este satélite é o segundo de uma série de missões no âmbito do programa espacial europeu de longo termo Horizon 2000.
(ESA), ofereceram as medições mais precisas das propriedades da enorme nuvem de gás quente que envolve o aglomerado de galáxias RDCS 1252. Este gás, a uma temperatura de 70 milhões graus centígrados, é um reservatório da maior parte dos elementos pesados do aglomerado e um bom indicador da sua massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
total. As imagens do Chandra permitiram resolver a forma do halo de gás quente e mostrar que RDCS 1252 é um aglomerado de galáxias muito maduro para a sua idade. Um artigo descrevendo os resultados das observações em raios-X de RDCS 1252 será publicado, ainda em Janeiro, na revista da especialidade Astronomical Journal, com P. Rosati como primeiro autor.

RDCS 1252 pode conter vários milhares de galáxias, sendo que a maioria não é suficientemente brilhante para ser detectada. Mas a câmara ACS do Hubble conseguiu detectar algumas centenas de galáxias e permitiu aos investigadores determinarem com precisão a forma e cor de 100 galáxias, fornecendo informação sobre a idade das estrelas que nelas residem. Por outro lado, observações com o VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
) permitiram obter medições precisas da distância ao aglomerado. A equipa do ACS estimou que a maioria das estrelas no aglomerado já estavam formadas quando o Universo tinha cerca de 2 mil milhões de anos. As observações em raios-X mostraram que 5 mil milhões de anos depois do Big Bang, o gás quente envolvente tinha sido enriquecido com elementos pesados produzidos por estas estrelas e tinha sido varrido para fora das galáxias.

Enquanto que a maior parte das galáxias em RDCS 1252 atingiram a maturidade e estão a assentar numa calma idade adulta, as galáxias no distante proto-enxame estão numa idade tenra e muito energética.

O proto-enxame TN J1338 contém o embrião de uma galáxia de massa elevada rodeada de pequenas galáxias em formação, que aparecem como pequenos pontos na imagem do Hubble. A galáxia dominante está a produzir jactos de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
espectaculares com origem no buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de massa elevada que se encontra no centro da galáxia. A interacção entre os jactos e o gás pode estimular um surto de formação de estrelas.

Os estudos dos dois aglomerados de galáxias aqui descritos são um excelente exemplo de como telescópios diferentes proporcionam visões complementares do Universo distante. A câmara ACS do Hubble ofereceu informação crítica sobre a estrutura dos aglomerados; o Chandra e o XMM-Newton deram as medições essenciais sobre o gás primordial no qual as galáxias de RDCS 1252 estão embebidas, assim como estimativas da sua massa total. E o VLT, em Terra, providenciou medições precisas da distância de ambos os aglomerados, assim como da composição das galáxias que os compõem.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/04_releases/press_010204.html