Miragens visuais assinalam distribuição de matéria escura

2004-01-19

Uma nova lente gravitacional descoberta pelo SDSS. Esta imagem, obtida com o telescópio Subaru, mostra quatro imagens do mesmo quasar - os quatro pontos brancos no centro (A, B, C e D). A luz do quasar, que está a cerca de 10 mil milhões de anos-luz, foi dividida em quatro pela influência gravitacional de um aglomerado de galáxias situado a cerca de 6,2 mil milhões de anos-luz da Terra. Algumas das galáxias do aglomerado aparecem como pontos amarelos. Crédito: Sloan Digital Sky Survey.
Cientistas do Sloan Digital Sky Survey
Sloan Digital Sky Survey (SDSS)
O levantamento do céu SDSS é um projecto que tem por objectivo mapear detalhadamente um quarto de todo o céu, determinando posições e magnitudes absolutas de 100 milhões de objectos celestes, e determinando ainda a distância a mais de 1 milhão de galáxias e quasares. Os telescópios que participam neste projecto estão situados no Observatório de Apache Point (EUA). O SDSS é um projecto conjunto de instituições norte-americanas, alemãs e japonesas.
(SDSS) descobriram um quasar
quasar
Os quasares são objectos extragalácticos extremamente brilhantes e compactos. Hoje acredita-se que são o centro de galáxias muito energéticas ainda num estado inicial da sua evolução (são, pois, núcleos galácticos activos - NGAs) e a sua energia provém de um buraco negro de massa muito elevada. Os seus desvios para o vermelho indicam que se encontram a distâncias cosmológicas. O seu nome, quasar, vem do inglês quasi-stellar object, ou seja, objecto quase estelar, devido à semelhança da sua imagem em placas fotográficas com a imagem de uma estrela.
afectado por uma lente gravitacional
efeito de lente gravitacional
O efeito de lente gravitacional consiste na deflexão da luz provocada pelo campo gravitacional muito forte de um objecto que se encontra entre o observador e a fonte de luz. Por exemplo, uma galáxia, ou um enxame de galáxias, que se encontre entre nós e um objecto astronómico muito distante, como um quasar, pode actuar como uma lente gravitacional. Tipicamente, o efeito de lente gravitacional faz com que se observe, numa única fotografia, mais do que uma imagem do mesmo objecto.
que provoca a maior separação entre as diferentes imagens do quasar até agora observada, e, ao contrário do esperado, verificaram que quatro dos quasares mais luminosos e mais distantes que se conhecem não são afectados por lentes gravitacionais.

A Teoria da Relatividade Geral
Teoria da Relatividade Geral
A Teoria da Relatividade Geral foi formulada por Albert Einstein em 1916 como expansão da Teoria da Relatividade Restrita (formulada em 1905) de forma a incluir o efeito da gravitação no espaço-tempo. Esta teoria propõe que o espaço-tempo é uma estrutura quadri-dimensional cuja curvatura é determinada pela presença de matéria. Neste sentido, a gravitação manifesta-se como curvatura do espaço-tempo, e não como uma força entre duas massas.
, de Albert Einstein
Albert Einstein
(1879-1955). Albert Einstein nasceu em Ulm, na Alemanha. Como físico teórico, revolucionou a nossa compreensão do Universo. A sua contribuição para o avanço da Física Moderna foi única. Doutorou-se em 1905 pela Universidade de Zurique (Suíça), no mesmo ano em que interpretou o efeito fotoeléctrico, o movimento browniano, e lançou a Teoria da Relatividade Restrita. Publicou em 1916 a sua Teoria da Relatividade Geral e foi galardoado com o Prémio Nobel da Física em 1921.
, prevê que a gravidade de um corpo de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
pode actuar como uma lente, dobrando e distorcendo a luz de um objecto distante. Uma estrutura de grande massa algures entre a Terra e um quasar distante pode afectar a luz emitida pelo quasar, tornando a imagem substancialmente mais brilhante e produzindo várias imagens do mesmo objecto.

Num estudo publicado na edição de Dezembro de 2003 da revista científica Nature, uma equipa do SDSS, liderada pelos estudantes de doutoramento Naohisa Inada e Masamune Oguri (Universidade de Tóquio, Japão), mostrou que quatro quasares próximos entre si eram, na realidade, a luz de um único quasar que foi dividida em quatro imagens por uma lente gravitacional.

Desde a descoberta do primeiro quasar afectado por uma lente gravitacional em 1979, mais de 80 casos foram encontrados, tendo uma dezena deles sido encontrados pelo SDSS. O que torna este caso tão especial é que a separação entre as quatro imagens é duas vezes maior que a de qualquer outro caso conhecido. Este quasar encontra-se na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Leão Menor e consiste em quatro imagens separadas por 14,62 segundos de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
.

Para produzir uma tal separação, a concentração de matéria que origina a lente gravitacional tem de ser particularmente alta. Como existe um aglomerado de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
à frente do quasar, a matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
associada ao aglomerado deve ser a responsável por esta separação tão alta. Observações adicionais obtidas com o Telescópio Subaru
Subaru Telescope
O Telescópio Subaru é um telescópio óptico e de infravermelhos, com um espelho de 8,2 m de diâmetro. O Subaru encontra-se no Observatório de Mauna Kea, no Havai, e é operado pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão – NAOJ e pelo Instituto Nacional de Ciências Naturais.
(NAOJ) de 8,2 metros e um dos Telescópios Keck
W. M. Keck Observatory
O Observatório W. M. Keck é operado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e pela NASA, e encontra-se localizado em Mauna Kea, no Havai. O observatório é constituído por dois telescópios gémeos de 10 metros, o Keck I e o Keck II.
(Caltech/UC/NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) de 10 metros confirmaram que o sistema é efectivamente uma lente gravitacional.

A descoberta de uma lente gravitacional com estas características entre os 30000 quasares observados até agora pelo SDSS é perfeitamente consistente com as previsões teóricas de modelos em que o Universo é dominado por matéria escura fria, o que apoia fortemente, ainda que de um modo indirecto, estes modelos (a matéria escura fria, ao contrário da quente, forma estruturas apertadas que causam este tipo de lentes gravitacionais).

Como olhar para grandes distâncias corresponde a olhar para trás no tempo, os quasares são vistos numa época em que o Universo tinha menos de 10 por cento da idade actual. Estes quasares são tremendamente luminosos e julga-se que são alimentados por gigantescos buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
com massas de vários milhares de milhões de vezes a massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. Para os investigadores, é um mistério como tais buracos negros se formaram num Universo tão jovem. No entanto, se estes objectos estão afectados pelo efeito de lentes gravitacionais, as suas luminosidades
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
seriam substancialmente menores e, consequentemente, os buracos negros teriam menos massa, o que tornaria a sua formação mais facilmente explicável.

Como quanto mais distante estiver um quasar maior é a probabilidade de que exista uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
na linha de visão, esperava-se que os quasares mais distantes fossem afectados por lentes. No entanto, ao contrário do esperado, quatro dos quasares mais distantes não revelam este efeito. Este facto pode querer dizer que os astrónomos têm de começar a levar a sério a ideia de que quasares com massas alguns milhares de milhões de vezes maior que a do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
se formaram menos de um milhar de milhões de anos depois do Big Bang. Os investigadores do SDSS continuam a procurar mais exemplos de quasares muito distantes para dar aos teóricos ainda mais buracos negros para explicar.

Fonte da notícia: http://www.sdss.org/news/releases/20031217.lensing.html