Espreitando o coração de uma tempestade solar

2004-01-14

As primeiras 6 fotografias são imagens em Hα de uma pequena mancha solar que pertencia à grande região activa que em 28 de Outubro produziu a fulguração designada por X17.2. A sequência de imagens obtidas em 24 de Outubro mostra a erupção de um arco na penumbra. Os dados indicam que a fulguração foi originada pelo fluxo que emergiu no canto inferior direito da imagem. É possível distinguir estruturas em escalas de 0,2 segundos de arco nestas imagens. A última imagem é uma imagem na banda G (430 nm) duma região de manchas solares. Os investigadores acreditam que é possível ver nesta imagem evidências de núcleos escuros na penumbra. Crédito: NSO/AURA/NSF.
No final do passado mês de Outubro, o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
atravessou inesperadamente um período de grande actividade. À medida que as fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
solares provocavam ejecções de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
coronal, astrónomos no Observatório Solar Nacional dos EUA utilizavam um novo conjunto de instrumentos instalados no telescópio solar Dunn (Sacramento, EUA) para obter imagens incríveis do coração das tempestades solares. Os astrónomos do Observatório Solar Nacional estavam a testar dois instrumentos quando as regiões activas do Sol entraram em erupção, de 23 a 25 de Outubro.

O sistema de óptica adaptativa
óptica adaptativa
A técnica de óptica adaptativa é um sistema óptico que se instala nos telescópios terrestres por forma a corrigir, em tempo real, os efeitos da turbulência atmosférica.
AO76 encontra-se desde Abril de 2003 em fase de testes no telescópio Dunn. A sua função é compensar o efeito da turbulência da atmosfera terrestre
atmosfera terrestre
A atmosfera terrestre é composta por um conjunto de camadas gasosas que envolvem a Terra. Estas camadas são designadas por Troposfera (da superfície da Terra até cerca de 10 km de altitude), Estratosfera (10 - 50 km), Mesosfera (50 - 100 km), Termosfera (100 - 400 km) e Exosfera (acima dos 400 km).
nas imagens capturadas. Através da análise de uma imagem, o sistema calcula como adaptar o espelho, que é deformável, de forma a cancelar totalmente, ou pelo menos em grande parte, e em tempo real, a distorção provocada pela atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
. Assim, por exemplo, algumas imagens obtidas utilizando o sistema de óptica adaptativa mostram estruturas nas fulgurações em escalas de 0,2 segundos de arco
segundo de arco (")
O segundo de arco (") é uma unidade de medida de ângulos, ou arcos de circunferência, correspondente a 1/60 de minuto de arco, ou seja, 1/3600 de grau.
!

O novo espectropolarímetro DLSP (do inglês Diffraction Limited SpectroPolarimeter) é o primeiro instrumento no telescópio Dunn que tira vantagem do sistema de óptica adaptativa. O DLSP capturou mapas de polarização de alta resolução que são essenciais para o estudo detalhado da actividade magnética do Sol.

Foram obtidas imagens em
risca H-alfa do hidrogénio
A risca H-alfa (Hα) é uma risca espectral centrada no comprimento de onda de 6562,8 Å originada pelo hidrogénio atómico e corresponde à transição do electrão entre os níveis energéticos n=2 e n=3. É a primeira transição da série de Balmer - conjunto de transições do nível n=2 para níveis mais energéticos.
, numa risca de ferro e na banda G. A emissão de Hα (656,3 nm
nanómetro (nm)
O nanómetro (nm) é uma unidade de comprimento igual a um milionésimo do milímetro: 1nm = 10-6mm = 10-9m.
) deve-se a hidrogénio neutro, muito quente, e delimita as regiões activas no Sol. A risca de ferro (543,4 nm) revela a velocidade do fluxo de gás na fotosfera. As imagens na banda G (430,3 nm) representam absorções de vários tipos de moléculas
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
que revelam estruturas magnéticas na fotosfera. Os astrónomos acreditam que estas imagens da banda G mostram os núcleos escuros da penumbra das manchas solares.

O DLSP obteve também os primeiros perfis de Stokes de altíssima resolução de uma mancha solar, antes e depois das erupções do dia 24 de Outubro. Os parâmetros de Stokes determinam a força e a direcção do campo magnético
campo magnético
O campo magnético é a região em torno de um corpo na qual é detectada uma força magnética. Os campos magnéticos actuam apenas em partículas electricamente carregadas. Campos magnéticos fracos são por exemplo gerados por efeito de dínamo no interior dos planetas e luas, enquanto que campos magnéticos mil milhões de vezes mais fortes podem ser gerados em estrelas e galáxias. Os campos magnéticos são capazes de controlar o movimento de gás ionizado e até moldar a forma dos corpos por eles actuados.
dentro e à volta de uma mancha solar. A medição dos parâmetros de Stokes não é novidade; o que é extraordinário é o facto da óptica adaptativa aliada ao espectropolarímetro DSLP permitir distinguir estruturas com uma área cerca de 16 vezes menor do que era antes possível!

Parte da missão principal do DLSP é medir a força e a direcção dos campos magnéticos dentro e fora das manchas solares, de forma a permitir estudar o fluxo de energia através destas regiões magnéticas intensas. Com esse objectivo, o DLSP observa duas riscas espectrais
risca espectral
Uma risca espectral pode ser uma risca brilhante - risca de emissão - ou uma risca escura - risca de absorção - num espectro de luz. A emissão de radiação (no caso da risca de emissão), ou a absorção de radiação (no caso da risca de absorção), num determinado comprimento de onda, é causada por uma transição atómica ou molecular. O estudo das riscas espectrais permite caracterizar a composição química e as condições físicas do meio que as produz.
centradas em 630,25 nm. Estas riscas são originadas por átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de ferro que se encontram a cerca de 200 km acima da fotosfera (a “superfície visível”) do Sol. O facto de serem duas riscas espectrais faz com que a medição do campo magnético seja mais precisa do que se fosse medida com uma única risca.

Fonte da notícia: http://www.nso.edu/press/dlsp_dec03/